O principal desafio do novo arcabouço fiscal é aumentar as receitas

Os dois especialistas advertiram que, conforme apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a geração de superávits primários está condicionada ao crescimento da receita, sem buscar alterar o atual nível de gastos. Isso pode incentivar a busca por mais receitas não recorrentes, que podem melhorar a situação de curto prazo, mas que não garantem, necessariamente, uma trajetória sustentável para o primário e a dívida.
Publicado por Alan Correa em Brasil dia 2/04/2023

O novo arcabouço fiscal, anunciado pelo governo como uma ferramenta que estabilizará as contas públicas no médio prazo, tem como principal âncora a limitação do crescimento das despesas a 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores. Embora tenha sido bem recebido por parte do mercado financeiro, o futuro marco fiscal desperta dúvidas em alguns economistas.

O principal questionamento, para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, diz respeito ao ganho de arrecadação necessário para que o país saia de um déficit primário de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano para um superávit de 1% do PIB em 2026. Diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão consultivo do Senado que faz estudos econômicos, Vilma Pinto manifesta incertezas em relação ao novo arcabouço. Ela e o analista da IFI Alexandre de Andrade ressaltam que o texto do projeto de lei ainda precisa ser conhecido.

Aumento de receitas é principal desafio do novo arcabouço fiscal (José Cruz/Agência Brasil)
Aumento de receitas é principal desafio do novo arcabouço fiscal (José Cruz/Agência Brasil)

Os dois especialistas advertiram que, conforme apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a geração de superávits primários está condicionada ao crescimento da receita, sem buscar alterar o atual nível de gastos. Isso pode incentivar a busca por mais receitas não recorrentes, que podem melhorar a situação de curto prazo, mas que não garantem, necessariamente, uma trajetória sustentável para o primário e a dívida.

Economista e professora de MBA da FGV, Carla Beni elogia o novo arcabouço fiscal e diz que as análises sobre a dependência do marco em relação à geração de receitas são apressadas. Ela avalia que o arcabouço foi bem elaborado e tem uma característica importante de flexibilidade. No entanto, reconhece que a audácia do novo marco exigirá ações adicionais do governo para estabilizar a dívida pública.

Para isso, a professora cita medidas como a revisão de gastos públicos para definir o que é mais eficiente; a definição de prioridades no futuro Plano Plurianual (PPA), a ser enviado pelo Ministério do Planejamento em agosto; e reformas tributárias que cobrem impostos sobre dividendos e patrimônio, revisem incentivos fiscais e tributem novos setores, como apostas esportivas. Ao apresentar o arcabouço, o ministro Haddad anunciou que o governo pretende anunciar, nesta semana, novas medidas para reforçar a arrecadação em R$ 150 bilhões, sem aumentar alíquotas ou criar impostos.

Novo arcabouço fiscal

Na última quinta-feira (30), o Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, explicou o novo arcabouço fiscal e afirmou que, caso ocorra uma redução na receita, pode haver um adiamento da estabilização da dívida pública. Entretanto, ele destacou que os gastos continuarão crescendo em um ritmo inferior à receita em quase todas as situações, exceto em uma eventual recessão que leve à queda na arrecadação.

Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad e do Planejamento, Simone Tebet, durante coletiva sobre a nova regra fiscal (José Cruz/ Agência Brasil)
Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad e do Planejamento, Simone Tebet, durante coletiva sobre a nova regra fiscal (José Cruz/ Agência Brasil)

“A pergunta recorrente que vocês vão fazer é: ‘E se a receita não vier?’ O que a gente já reiterou é que, independentemente do comportamento da receita, a despesa vai crescer menos que a receita. Obviamente que, quanto mais rápido conseguirmos recuperar as bases de financiamento, mais rapidamente vamos conquistar os resultados primários necessários para estabilizar a dívida [pública]. Este é o objetivo de todos, e também entendo que seja o objetivo dos parlamentares com quem o ministro tem conversado”, rebateu Mello.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, explicou que o limite mínimo de 0,6% de crescimento real das despesas em momentos de baixo crescimento econômico foi estabelecido com base na taxa média de crescimento da população. Ele afirmou que essa taxa é capaz de garantir que os gastos per capita sejam mantidos em momentos de recessão, para que ninguém deixe de ter acesso a programas sociais básicos, como aconteceu recentemente com o Farmácia Popular.

Por sua vez, o ministro Haddad afirmou que os percentuais de 0,6% e 2,5% de crescimento são suficientes para dar um caráter anticíclico ao novo arcabouço fiscal. Ele destacou que o limite mínimo de 0,6% tem como objetivo evitar que o governo tenha que recorrer ao Congresso para alterar as regras fiscais em caso de novas recessões, como ocorreu nos últimos anos.

“Se houver uma retração na parte baixa do ciclo [recessão], decidimos incorporar aquilo que era exceção dentro do teto de gastos à regra nova, para trazer as excepcionalidades, exceto aquelas fixadas pela Constituição [como estados de calamidade pública], para dentro da regra aquilo que é uma espécie de crescimento vegetativo em função daquilo que se verificou desde a promulgação do teto de gastos”, disse.

*Com informações da Agência Brasil.

Alan Correa
Alan Correa
Sou jornalista desde 2014 (MTB: 0075964/SP), com foco em reportagens para jornais, blogs e sites de notícias. Escrevo com apuração rigorosa, clareza e compromisso com a informação. Apaixonado por tecnologia e carros.