Um levantamento realizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) revelou que metade das ações judiciais envolvendo casos urgentes de saúde, que chegam ao plantão judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), são contra operadoras de planos de saúde. Entre fevereiro e maio de 2023, os defensores ingressaram com 662 pedidos de internação em unidades de terapia intensiva (UTI) e outras medidas emergenciais para pacientes em situações críticas. Desses, 328 (49,5%) foram relacionados a negativas de atendimento por parte das operadoras de planos de saúde.
O plantão noturno do TJRJ funciona diariamente das 18h às 11h do dia seguinte, e tem como objetivo garantir atendimento ininterrupto para casos urgentes, quando não se pode esperar uma decisão judicial no expediente normal. São consideradas ações urgentes aquelas relacionadas a questões de saúde com risco de morte, busca e apreensão de crianças (desde que haja risco objetivo) e medidas protetivas em casos de violência doméstica.
O estudo da DPRJ revela que, nos meses de abril e maio, o número de ações contra planos de saúde foi maior do que o número de ações contra o estado e municípios. Em abril, foram registrados 105 pedidos para atendimento na rede privada e 90 para o Sistema Único de Saúde (SUS). Em maio, esses números foram de 84 e 72, respectivamente.
Eliane Arese, coordenadora da DPRJ no plantão do TJRJ, explicou que os planos de saúde costumam alegar carência e demoram para autorizar procedimentos e internações, o que fere a Lei nº 9.656/1998.
Um caso recente que exemplifica a situação é o de Davi Moura Leal Barreto, de 5 anos. Em julho, o plano de saúde contratado pela família negou a internação em uma UTI pediátrica, contrariando um laudo médico que indicava que a criança estava com um quadro grave de broncoespasmo, com esforço respiratório, e precisava de monitoração constante e oxigênio hospitalar. O plano de saúde alegou que o contrato ainda estava em período de carência e se dispôs a cobrir apenas os gastos das primeiras 12 horas de atendimento na emergência do hospital particular.
A mãe de Davi, Jullyana dos Santos, procurou o plantão judiciário, e a DPRJ entrou com uma ação para exigir a transferência para a UTI pediátrica. O pedido foi deferido pelo juiz de plantão, e o plano de saúde acatou a decisão em poucas horas, evitando uma multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento.
Eliane Arese explicou que, ao contrário do que acontece quando a ação é por providências da rede pública, as operadoras de planos de saúde costumam cumprir a determinação da Justiça. “Descumprimento é exceção.”
A defensora pública destacou “o argumento abusivo” e “a conduta ilegal e inaceitável” da seguradora no caso de Davi, pois a legislação prevê que o prazo de carência para a cobertura de casos de urgência e emergência é de, no máximo, 24 horas após a celebração do contrato. Ultrapassado esse período, a operadora de saúde deve prestar integral atendimento de forma imediata.
A DPRJ informou que a ação terá desdobramentos e que foi solicitada compensação pelos danos morais impostos à família, no valor de R$ 19,8 mil, o equivalente a 15 salários mínimos. O julgamento cabe agora a uma vara cível.
Para os usuários de planos de saúde que necessitam do serviço de plantão judiciário no Rio de Janeiro, a DPRJ disponibiliza contato por e-mail, aplicativo ou atendimento presencial. Procurada pela Agência Brasil, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as maiores operadoras de planos de saúde do país, informou que os casos judicializados são exceções e que, em 2022, os planos de saúde cobriram mais de 60 milhões de consultas em pronto-socorro e 8,8 milhões de internações no Brasil. A FenaSaúde ressaltou que a cobertura de procedimentos nos casos de urgência e emergência está sujeita às normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O Brasil possui 50,6 milhões de clientes de planos de saúde, sendo esse um custo que muitas vezes pesa bastante no orçamento das famílias e empresas, com reajustes frequentemente acima da inflação. Planos coletivos, que têm mais de 30 beneficiários e são contratados por pessoas jurídicas, representam mais de 82% do total de planos no país. Já os planos individuais ou familiares correspondem a cerca de 17,5% do total de contratos e têm seus aumentos autorizados pela ANS. Em junho, a agência estipulou o teto de 9,63% para reajuste nas mensalidades, um valor mais de duas vezes acima da inflação oficial acumulada em 12 meses. A ANS utiliza a variação das despesas assistenciais do ano anterior para calcular o reajuste anual dos planos.
*Com informações da Agência Brasil.