O futuro dos implantes cerebrais para restabelecer a fala

Em um progresso notável, a restauração da capacidade de fala em indivíduos que a perderam está se tornando uma meta cada vez mais alcançável. Duas experiências pioneiras, recentemente compartilhadas na revista Nature nesta quarta-feira (23), demonstram os avanços promissores realizados por meio de implantes cerebrais.
Publicado em Ciência dia 25/08/2023 por Alan Corrêa

Em um progresso notável, a restauração da capacidade de fala em indivíduos que a perderam está se tornando uma meta cada vez mais alcançável. Duas experiências pioneiras, recentemente compartilhadas na revista Nature nesta quarta-feira (23), demonstram os avanços promissores realizados por meio de implantes cerebrais.

O relato de Pat Bennet, 68 anos, lança luz sobre essa revolução. Anteriormente uma executiva dinâmica, mantendo um estilo de vida ativo e saudável, ela foi diagnosticada há uma década com a doença de Charcot – um transtorno neurodegenerativo progressivo que gradualmente retira a capacidade de movimento do paciente, levando eventualmente à paralisia completa. Inicialmente, seus sintomas traduziram-se em dificuldades de expressão, até que a perda da fala se instalou.

Pesquisadores da Faculdade de Neurocirurgia da Universidade de Stanford deram um passo pioneiro, introduzindo quatro minúsculos chips equipados com 64 microeletrodos no córtex cerebral de Pat Bennet em março de 2022. Estes chips, fabricados com silicone, foram inseridos a 1,5 milímetros de profundidade e têm a capacidade de registrar os sinais elétricos gerados pelas áreas cerebrais dedicadas à linguagem. Esses sinais são então transmitidos para fora do cérebro através de um sistema de cabos e interpretados por um algoritmo que, ao longo dos últimos quatro meses, “aprendeu” a decifrar o seu significado.

Esse algoritmo associa os sinais aos fonemas, permitindo assim a formação de palavras com o auxílio de um modelo linguístico. Frank Wilett, professor em Stanford e coautor do estudo, afirmou durante uma coletiva de imprensa que agora é concebível imaginar a perspectiva de restaurar uma conversação fluente em indivíduos que enfrentam paralisia de linguagem. Graças a este dispositivo inovador, Pat Bennet agora se comunica por meio de uma tela a uma velocidade superior a 60 palavras por minuto. Ainda que inferior à taxa de 150 a 200 palavras por minuto de alguém sem paralisia, essa conquista representa três vezes o ritmo alcançado em 2021 por um paciente com paralisia de linguagem em um experimento anterior do mesmo laboratório.

Notavelmente, a taxa de erro de Pat Bennet em um vocabulário de 50 palavras é de 10%, uma melhoria significativa em relação à taxa anterior de mais de 20%.

Em outro avanço relatado na Nature, uma equipe liderada por Edward Chang, na Universidade da Califórnia, conseguiu resultados igualmente impressionantes. Seu dispositivo, baseado em um conjunto de eletrodos implantados no córtex cerebral, alcançou uma média de 78 palavras por minuto – uma conquista significativa para uma paciente que anteriormente só conseguia articular 14 palavras por minuto devido a uma paraplegia resultante de uma hemorragia cerebral. Esse progresso é uma luz no fim do túnel para pacientes que dependiam de técnicas que rastreavam os movimentos da cabeça para se comunicar.

Diferentemente do estudo de Stanford, o dispositivo do laboratório californiano não apenas analisa os sinais elétricos da área cerebral associada à linguagem, mas também monitora os movimentos dos lábios, língua e outros músculos faciais responsáveis pela produção dos sons da fala. O professor Chang explicou que, ao longo dos últimos cinco a seis anos, eles têm decodificado as redes elétricas que coordenam esses movimentos articulatórios, permitindo a produção dos sons específicos de consoantes, vogais e palavras.

O dispositivo desenvolvido pelo laboratório da Universidade da Califórnia vai além da mera exibição de texto em uma tela. Ele gera linguagem em forma de uma voz artificial e um avatar que imita as expressões faciais do paciente quando ele se comunica. O próximo passo na evolução deste sistema é a criação de uma versão sem fio, o que teria “profundas implicações para a independência e interações sociais” dos pacientes, conforme ressaltado por David Moses, coautor do estudo e professor de neurocirurgia da Universidade de São Francisco.

*Com informações do G1.