A desigualdade de recursos é um dos nossos maiores desafios, mas não se trata de um problema exclusivo dos seres humanos. Como nós, os fungos micorrízicos que vivem nas raízes de plantas e árvores negociam de forma estratégica, roubam e retêm recursos, exibindo notáveis paralelos com os seres humanos na capacidade de serem oportunistas na falta de aprendizado.
As redes e os relacionamentos de fungos podem ensinar muito sobre a desigualdade e influenciar as economias humanas.
Para começar, imagine uma economia de mercado com 400 milhões de anos, tão onipresente que opere em todos os ecossistemas do mundo, tão grande que possa conectar milhões de mercados simultaneamente, e tão persistente que tenha sobrevivido a extinções em massa. Essa é a economia de mercado dos fungos chamado “Arbuscular mycorrhiza” que habita raízes de plantas.
Enquanto as economias de mercado dos humanos acontecem na base de trapaça, roubo, empréstimo, fraude e súplica, tudo por falta de raciocínio, os fungos agem de maneira sábia. Eles formam complexas redes subterrâneas de filamentos mais finos do que os fios do algodão, conectando várias plantas simultaneamente. É como se fosse um sistema de metrô subterrâneo, no qual cada raiz seria uma estação onde recursos são carregados e descarregados. Esse também é um sistema muito denso. Costuma haver metros de comprimento, às vezes até um quilômetro. Se compararmos isso a uma única grama de terra, seria o mesmo que dez campos de futebol em apenas um pedaço de terra.
Em todas as árvores, arbustos, trepadeiras, ou mesmo ervas daninhas, existe uma rede micorrízica. Cerca de 80% de todas as espécies vegetais estão associadas a esses fungos micorrízicos.
Os acordos comerciais entre plantas e fungos parceiros são extremamente semelhantes aos acordos feitos pelos humanos, e talvez até mais estratégicos.
Mas as plantas e fungos parceiros não estão negociando ações e títulos, e sim recursos essenciais, o que, para o fungo, significa açúcar e gorduras. Ele obtém todo o seu carbono diretamente da planta parceira. São cerca de 5 bilhões de toneladas por ano de carbono das plantas que entram nessa rede subterrânea. Quanto às raízes, elas precisam de fósforo e nitrogênio. Então, ao trocar seu carbono, elas têm acesso a todos os nutrientes coletados por essa rede de fungos. Para realizar a troca, o fungo penetra nas células da raiz da hospedeira e forma uma pequena estrutura chamada “arbuscule”, que em latim significa “arvorezinha”.
É nesse mesmo contexto que se encaixa a bolsa de valores física do mercado de ações, onde em ambos cada um ajuda o outro e assim parceiros consegue o que precisa. Porém, devemos parar e entender o poder da evolução e da seleção natural. Nesse ambiente não existe espaço para amadores, uma estratégia comercial adequada determina quem vive e quem morre.
Biólogos fizeram um pequeno teste para estudar as estratégias comerciais dos fungos, manipulando as condições. Colocaram uma planta cultivada ao sol, e uma planta cultivada na sombra, como se fosse uma parceira comercial ruim. Depois conectaram ambas as plantas a uma rede de fungos. Nesse teste descobriram que os fungos eram muito competentes em discriminar entre parceiras comerciais boas e ruins, pois os fungos depositaram mais recursos na planta hospedeira que lhes forneceram mais carbono, ou seja, na planta ao sol.
Depois realizaram um outro experimento mais recíproco, em que inocularam fungos bons e ruins numa planta hospedeira, e elas também conseguiram diferenciar esses parceiros. Portanto temos aí condições perfeitas para o surgimento de um mercado. É um mercado simples, mas é um mercado em que o parceiro comercial melhor é favorecido de forma consistente.
Assim como os seres humanos, as plantas e os fungos são incrivelmente oportunistas. O fungo, após penetrar na célula vegetal, consegue sequestrar o próprio sistema de captação de nutrientes da planta. Ele faz isso suprimindo a própria capacidade da planta de absorver nutrientes do solo. Isso cria então uma dependência da planta para com fungo. É tipo um falso vício, em que a planta tem de alimentar o fungo simplesmente para ter acesso aos recursos em torno da sua própria raiz.
Há também evidências de que os fungos são bons em subir o preço dos nutrientes. Eles fazem isso extraindo os nutrientes do solo, mas, aí, em vez de negociá-los com a hospedeira, eles os estocam em sua rede, tornando-os indisponíveis para a planta e fungos concorrentes. É princípio básico da economia: à medida que a disponibilidade dos recursos diminui, o valor aumenta, ou seja, acaba sendo planta forçada a “pagar” mais pela mesma quantidade de recursos.
Porém, tem plantas que também podem ser extremamente ágeis, e nessas os fungos saem perdendo. É o caso das orquídeas que só precisam tocar diretamente na rede para roubar todo o seu carbono. Essas orquídeas, portanto, nem fabricam folhas verdes para a fotossíntese. Elas são simplesmente brancas. Então, em vez de fazer a fotossíntese, ela toca na rede, rouba o carbono e não dá nada em troca.
Esse mesmo comportamento de parasita também é encontrado em nossos mercados. A primeira lição que essas estratégias nos mostra é que não há generosidade nesse sistema, não há troca de favores comerciais, ou seja, os fungos não ajudam plantas moribundas ou debilitadas, a menos que tragam algum benefício diretamente ao próprio fungo. Mas ao contrário dos humanos, um fungo não pode julgar sua própria moralidade.
A desigualdade sem dúvida se tornou uma característica definidora do cenário econômico atual. Mas os desafios da desigualdade não são exclusivos do mundo humano, organismos na natureza também têm de enfrentar variação implacável no acesso a recursos.
Claro que estudar todas as trocas comerciais no mundo dos fungos é uma tarefa difícil. Mas uma tecnologia desenvolvida pelos biólogos, pelo qual rotularam nutrientes com nanopartículas fluorescentes chamadas pontos quânticos.
Os pontos quânticos foram essenciais para iluminar os nutrientes, e assim acompanhar visualmente seus movimentos através da rede de fungos e dentro da raiz da hospedeira. Essa exploração permitiu os biólogo ver o invisível, para estudar como os fungos barganham, na escala micro, com a planta hospedeira. Nisso foi possível estudar a desigualdade, onde expeliram uma rede de fungos a diferentes concentrações de fósforo fluorescente, imitando períodos de escassez e abundância numa paisagem artificial.
A partir disso, avaliaram cuidadosamente as trocas feitas pelos fungos, e a primeira descoberta realizada foi que desigualdade estimulou o fungo a trocar mais. Portanto, a conclusão foi que, comparada com as condições de controle, a desigualdade foi associada a níveis mais altos de troca. Isso é importante, pois sugere que desenvolver uma parceria comercial na natureza pode ajudar os organismos a lidar com a incerteza do acesso a recursos.
Por incrível que pareça os fungos não são assim tão desonesto, nesse estudo também foi percebido que eles deslocava recursos da parte rica da rede, e transportava-os ativamente para o lado pobre. E é justamente nisso que o fungo “lucrou” mais, movimentando os recursos para onde a demanda era maior. Com a simples mudança, na rede, do local de negociação, o fungo conseguiu manipular o valor desses recursos.
Potencialmente poderíamos tomar emprestados modelos da natureza. Estamos cada vez mais dependentes de algoritmos de computador para fechar negócios rentáveis em frações de segundo. Mas algoritmos de computador e fungos, ambos operam de maneiras igualmente não cognitivas. Acontece que os fungos são uma máquina viva.
E aí que surge a pergunta: o que aconteceria se compararmos as estratégias de negociação dos dois? Quem ganharia? A resposta é óbvia, os fungos, que já estão na área desde antes e depois da extinção dos dinossauros.