Você não está conseguindo pagar suas dívidas? Saiba que não é o único

Sem uma fonte de renda estável, Guilherme enfrenta dificuldades para quitar suas dívidas com o cartão de crédito. Ele relata: "Eu não tinha condições de pagar o banco. Fiz um cartão de crédito e não tinha dinheiro na hora para pagar. Tenho dívidas com cartões de dois bancos. Não tenho nenhum plano para conseguir pagar isso. Está difícil".
Publicado em Economia dia 27/05/2023 por Alan Corrêa

Guilherme Nogueira depende diariamente, de segunda a sexta-feira, de uma mercadoria que se encontra espalhada pelo chão de uma calçada na rua Uruguaiana, localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro. Anteriormente, Guilherme, de 28 anos, possuía um emprego formal com carteira assinada até o ano de 2020.

No entanto, com o início da pandemia de covid-19, ele foi demitido e, desde então, precisa se virar como pode para garantir sua subsistência e a de seu filho. Atualmente, ele vende mochilas que são expostas em uma lona, visando alcançar as pessoas que transitam pela movimentada rua carioca.

Milhões de brasileiros têm dificuldades de pagar suas dívidas (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Milhões de brasileiros têm dificuldades de pagar suas dívidas (Tomaz Silva/Agência Brasil)

“Tem dia que vende, tem dia que não vende. Tem dia que vende cinco, oito mochilas. Em outros, vende duas. É difícil, os guardas [municipais] querem pegar [apreender] as mochilas”, lamenta Guilherme.

A perda de seu emprego também o colocou em uma situação que afeta atualmente 66 milhões de brasileiros, de acordo com dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL): Guilherme não consegue pagar suas contas.

Sem uma fonte de renda estável, Guilherme enfrenta dificuldades para quitar suas dívidas com o cartão de crédito. Ele relata: “Eu não tinha condições de pagar o banco. Fiz um cartão de crédito e não tinha dinheiro na hora para pagar. Tenho dívidas com cartões de dois bancos. Não tenho nenhum plano para conseguir pagar isso. Está difícil”.

A inadimplência, ou seja, o atraso no pagamento de contas ou dívidas, afeta, de acordo com a CNDL, quatro em cada dez adultos brasileiros.

O número de dívidas em atraso no Brasil, em abril deste ano, aumentou 18,42% em relação ao mesmo período do ano passado. A dívida com os bancos é o principal motivo da inadimplência, representando 63,8% do total, de acordo com a CNDL.

E, assim como Guilherme, em média, os brasileiros inadimplentes devem a duas empresas. Quase metade dos brasileiros na faixa etária do vendedor ambulante (25 a 29 anos) está enfrentando a inadimplência.

Rio de Janeiro (RJ), 23/05/2023 – O engraxate José Raimundo em seu ponto de trabalho, na Rua Uruguaiana, no centro da capital fluminense (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Rio de Janeiro (RJ), 23/05/2023 – O engraxate José Raimundo em seu ponto de trabalho, na Rua Uruguaiana, no centro da capital fluminense (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Porém, o problema não se restringe apenas aos jovens, e os bancos não são a única fonte de dívidas difíceis de pagar. José Raimundo, um autônomo de 67 anos, também enfrenta essa situação. Ele trabalha como engraxate há muitos anos, apenas a poucos metros de onde Guilherme vende suas mochilas.

Assim como seu colega vendedor, José Raimundo foi severamente afetado pela pandemia. Apesar de ainda não ter conseguido se aposentar, pois está aguardando a aprovação do Benefício Assistencial ao Idoso pela Previdência Social, ele perdeu a maior parte de sua clientela que costumava utilizar seus serviços antes da chegada da covid-19.

“Só por causa da pandemia, fiquei quase dois anos em casa. Depois fiquei doente, sem poder fazer nada. Fiquei três anos e pouco sem trabalhar. E aí foi atrasando tudo. Minha mulher sozinha pagando tudo: água, luz, telefone. O que eu mais atrasei foi a conta de água. Na hora que sair o benefício [da Previdência], eu vou conversar com a concessionária e parcelar. Não quero ficar devendo nada a ninguém. Não tenho essa índole de mau pagador”, conta o engraxate que retomou recentemente seu ofício.

No Brasil, três em cada quatro idosos entre 65 e 84 anos estão enfrentando dívidas em atraso. As contas de água e luz são responsáveis por 11,1% dessas inadimplências, um percentual semelhante ao do comércio, que representa 11,6% das dívidas não pagas.

Infelizmente, a inadimplência não poupa nem mesmo aqueles que possuem emprego formal. Um exemplo disso é Alessandro Gonçalves, um porteiro de 30 anos que trabalha em um prédio comercial no centro da cidade do Rio de Janeiro.

A cada mês, Alessandro precisa fazer malabarismos para garantir que seu dinheiro seja suficiente para cobrir suas necessidades diárias, o que muitas vezes implica em atrasar o pagamento de algumas contas. Ele relata as dificuldades rotineiras dessa situação: “É uma luta constante. Você tem uma conta para pagar e não consegue. Chega no final do mês, você pega o dinheiro para pagar a conta e não consegue. Nosso salário não é suficiente, fazemos cálculos e, quando chega o final do mês, não temos condições de pagar. E então precisamos atrasar as contas.”

No Brasil, três em cada quatro idosos, com idades entre 65 e 84 anos, estão enfrentando atrasos em suas dívidas (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
No Brasil, três em cada quatro idosos, com idades entre 65 e 84 anos, estão enfrentando atrasos em suas dívidas (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

De acordo com Merula Borges, especialista em finanças da CNDL, a diminuição de renda é uma das razões que levam as pessoas a enfrentar dificuldades para pagar suas dívidas.

“Na pesquisa, quando as pessoas foram perguntadas sobre o motivo de elas terem entrado na inadimplência, elas disseram que tiveram perda de renda ou de si próprios, ou de alguém da família”, afirma Merula. “Isso é natural já que, quando a renda é menor, o espaço que os itens básicos ocupam no orçamento familiar é maior e as pessoas têm menos possibilidade de lidar com algum imprevisto que aconteça”.

Conforme observado pela especialista, indivíduos com renda mais baixa necessitam exercer uma disciplina financeira ainda mais rigorosa para evitar situações de inadimplência.

“Existe, sim, uma possibilidade de as pessoas se manterem adimplentes, apesar da renda mais baixa, mas é muito mais difícil. Então, o foco daquele que tem uma renda menor precisa ser em melhorar a qualificação, procurar cursos gratuitos, possibilidades de melhorar a própria renda para entrar em uma situação um pouco mais confortável”.

Merula enfatiza a importância de implementar políticas públicas que auxiliem os cidadãos brasileiros a superarem a condição de inadimplência. Nesse sentido, o governo federal está se preparando para lançar um programa chamado Desenrola, que visa renegociar até R$ 50 bilhões em dívidas de aproximadamente 37 milhões de indivíduos.

*Com informações da Agência Brasil.