Nas últimas semanas, duas tragédias marítimas chocaram o mundo. Cinco pessoas perderam a vida durante uma expedição turística em um submarino, nas proximidades dos destroços do navio Titanic, que naufragou no início do século passado. No Mar Mediterrâneo, próximo à Grécia, um navio carregado de imigrantes africanos afundou, resultando em pelo menos 78 mortos. No entanto, os sobreviventes relatam que a embarcação transportava centenas de pessoas.
Enquanto os jornais, portais de notícias e televisão oferecem informações detalhadas sobre os milionários a bordo do submarino e a dinâmica da viagem, além de uma cobertura diária dos esforços de resgate, no caso do barco de migrantes, nenhum perfil dos sobreviventes foi traçado e nem mesmo as nacionalidades das vítimas foram divulgadas.
“Dos imigrantes africanos você não tem a individualização, não tem a história daquelas pessoas – porque elas estão fazendo aquilo, qual é a razão que leva ao desespero de enfrentar aquelas condições previsivelmente trágicas”, enfatiza o jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, professor aposentado da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
De acordo com o especialista, a proximidade temporal dos dois acidentes evidencia a disparidade no tratamento midiático dos casos.
“O fato deles acontecerem de forma simultânea evidencia o tratamento desigual que se dá quando as vítimas de um acidente são integrantes de classes sociais diferentes”, destaca.
Ele observa que os aspectos incomuns da viagem dos milionários ao fundo do mar para visitar o local de uma tragédia antiga e famosa chamam a atenção da mídia. No entanto, Lalo avalia que há um desequilíbrio na forma como as situações são tratadas.
“O caso da nave do Titanic foi uma experiência inusitada. Isso, realmente, do ponto de vista jornalístico, merece um destaque. Não na dimensão como vem sendo feito”, analisa.
Por outro lado, a repetição dos naufrágios que ceifam vidas de migrantes que tentam alcançar a Europa acaba tendo um efeito contrário nos meios de comunicação e na opinião pública.
“A morte de imigrantes vem virando rotina, por mais terrível que isso possa parecer. Ela praticamente deixa de ser um assunto novo para o público, infelizmente”, contrapõe.
A diferença na cobertura, segundo Lalo, é resultado de questões estruturais dos grandes meios de comunicação.
“Faz parte da estrutura desses meios de comunicação que estão muito voltados para produzir informações a partir e para as classes dominantes da sociedade, para os grandes grupos econômicos” diz.
“É um jornalismo que tem uma vinculação muito grande com o setor mais privilegiado da sociedade, que produz informações e para o qual são dadas as informações”, acrescenta.
Para o especialista, há diversos pontos que precisam ser aprofundados em relação aos naufrágios envolvendo migrantes.
“Qual é o grau de responsabilidade que esses países da Europa têm em relação a esses países africanos? Qual é a herança colonial que ainda perdura e leva a essas tragédias?”, questiona.
*Com informações da Agência Brasil.