Desde muito cedo, as crianças, assim como os adultos, são sensíveis aos valores que atribuímos a objetos e comportamentos. São esses valores usados para guiar um comportamento, que passa para todos ao nosso redor. Estamos sempre mostramos aos outros, em particular aos filhos, o que é agradável, valioso e louvável, e o que não é, fazemos isso até sem perceber. Além do mais, o comportamento de um pessoa se reflete nas crenças, nos valores e nos desejos que ela tem.
Um ser humano possui duas características importantes em relação ao comportamento, a primeira é que temos consciência do que os outros valorizam, aprovam ou desaprovam, tais como não usar pijama no shopping, por exemplo. A segunda é que usamos essa informação para guiar nosso comportamento. Ao contrário de outras espécies, os seres humanos são propensos a adaptar o comportamento na presença dos outros para obter aprovação.
Querendo ou não, todos nós se preocupamos em como os outros nos avaliarão, apesar de ser um traço humano importante, ninguém ainda sabe ao certo quando e como passamos a nos importar com a opinião dos outros.
Para saber isso, a psicóloga Sara Valencia Botto passou os últimos quatro anos na Universidade Emory investigando como um bebê, que não tem problema em andar de macacão pelo mercado, transforma-se num adulto que teme falar em público por medo de ser julgado negativamente. E ela conta tudo isso em uma palestra TED, realizada em março de 2019.
A psicóloga Sara Valencia começou investigando quando, no desenvolvimento, nos tornamos sensíveis às avaliações dos outros. E para isso, Sara desenvolveu junto com seu amigo Dr. Philippe Rochat um “jogo” chamado “The Robot Task”, onde um brinquedo de robô seria usado para captar quando as crianças modificam seu comportamento de modo estratégico quando os outros estão observando.
“Para fazer isso, mostramos a bebês de 14 a 24 meses como ativar um robô de brinquedo e, o mais importante, atribuímos um valor positivo, dizendo “Uau, que ótimo!” ou um valor negativo, dizendo “Uh, uh. Opa, ah, não”, depois de apertar o controle remoto. Após a demonstração do brinquedo, convidamos os bebês a brincarem com o controle remoto e depois os observamos ou nos viramos e fingimos ler uma revista.” Disse Sara Valencia
A partir disso, foram feito três variações do estudo. O primeiro estudo explorou como os bebês se envolviam com um brinquedo novo se não fossem fornecidos valores ou instruções. Só foi mostrado aos bebês como ativar o robô de brinquedo, não atribuíram nenhum valor, nem foi dito a eles que poderiam brincar com o controle. Nesse caso foi proporcionando-lhes uma situação muito ambígua.
No segundo estudo, foi incorporado dois valores: um positivo e um negativo. No estudo final, estavam presente duas pesquisadoras e um controle remoto. Uma delas manifestou um valor negativo sobre apertar o controle: “Eca, o brinquedo se mexeu”, enquanto a outra manifestou um valor positivo, dizendo: “Oba, o brinquedo se mexeu”.
Terceiro estudo: duas pesquisadoras, um controle. A pesquisadora que reagiu negativamente sobre apertar o controle ficava observando diretamente a criança e depois se virava. A pesquisadora que manifestou uma resposta positiva também não fica observando a criança.
A ideia era que, se até os 24 meses, as crianças são realmente sensíveis à avaliação dos outros, o comportamento de apertar o botão deveria ser influenciado não só pelo fato de estarem ou não sendo observadas, mas também pelos valores que a pesquisadora manifestava sobre apertar o controle remoto. Assim, por exemplo, esperava-se que as crianças brincassem um pouco mais com o controle positivo se estivessem sendo observadas, mas depois optassem pelo controle negativo quando ninguém estivesse observando.
Com base nos dados da pesquisa, o comportamento de apertar os botões foi, de fato, influenciado pelos valores e pelas instruções da pesquisadora. No primeiro estudo, como as crianças não sabiam o que seria avaliado de modo positivo ou negativo, elas tomaram o caminho mais seguro e esperaram até que a pesquisadora virasse para apertar o controle.
As crianças do segundo estudo escolheram apertar o controle positivo um pouco mais quando estavam sendo observando, mas, quando não, elas pegavam imediatamente o controle negativo e começava a brincar com ele.
Já as crianças do terceiro estudo escolheram apertar um pouco mais um controle quando a pesquisadora que manifestou um valor positivo estava observando, ao contrário de quando ela manifestou um valor negativo.
Por último, em um estudo de controle, no qual foi retirado os diferentes valores dos controles remotos, o comportamento de apertar os botões não variava mais entre as situações, sugerindo que foram realmente os valores que foram concedidos aos dois controles remotos que guiaram o comportamento no estudo anterior.
Por volta dos 2 anos de idade, as crianças começam a demonstrar constrangimento em situações que podem provocar uma avaliação negativa, tais como olhar para si mesmo no espelho e notar uma mancha no nariz, que é equivalente ao adulto que percebe que tem salada nos dentes. Os psicólogos têm estudado o nosso comportamento para explorar o conteúdo da mente, justamente porque nosso comportamento geralmente é guiado pelas preferências que os outros valorizam.
Pais e até os professores têm o privilégio de moldar o comportamento das crianças, por estarem em contato desde dos primeiros momentos de aprendizagem. Mas é importante saber que, pelos valores que todos nós transmitimos em interações simples do dia a dia, nos dar o poder de moldar o comportamento daqueles ao nosso redor.
“A pesquisa que compartilhei com vocês hoje sugere que essa habilidade surge muito cedo no desenvolvimento, antes mesmo de falarmos uma frase completa ou aprendermos a usar o toalete. E isso se torna parte integrante de quem nos tornaremos.” Completa a psicóloga Sara Valencia.