Por que temos medo de avião? A ciência explica como a atenção, a mídia e o cérebro influenciam

Antes mesmo de embarcar, o medo já começa com a palavra “turbulência”. Mesmo sabendo que aviões são mais seguros que carros, ainda sentimos mais medo ao voar. Esse sentimento vem de processos inconscientes que envolvem atenção seletiva, raciocínio intuitivo e influência da mídia. A percepção de risco está longe de ser racional — é emocional, automática e moldada por tudo aquilo em que focamos, mesmo sem perceber.
Publicado por Maria Eduarda Peres em Curiosidades dia 25/07/2025

O avião é considerado um dos meios de transporte mais seguros do mundo, com estatísticas amplamente favoráveis em relação a outros veículos. Ainda assim, muitas pessoas sentem um medo profundo ao embarcar em uma aeronave. O receio, geralmente, não está relacionado a uma experiência real de risco, mas à forma como o cérebro humano responde a determinados estímulos e à maneira como os fatos são apresentados ao público.

Pontos Principais:

  • O medo de avião é ativado por estímulos emocionais e atenção seletiva.
  • O cérebro prioriza informações marcantes, mesmo que não representem risco real.
  • O raciocínio intuitivo prevalece sobre o racional quando há cansaço ou alerta.
  • A mídia influencia a percepção pública ao destacar apenas eventos extraordinários.

Mesmo quando dados objetivos mostram que a chance de um acidente aéreo grave é de 1 em quase 14 milhões, o medo permanece. Em contrapartida, o risco de um acidente fatal em automóveis é de 1 em 95, segundo dados dos Estados Unidos. Apesar disso, a sensação de segurança ao dirigir continua sendo mais comum do que ao voar, mesmo que a lógica estatística aponte o contrário.

O que explica esse fenômeno é uma combinação entre fatores neurológicos, seletividade da atenção, padrões de raciocínio e influência midiática. A sensação de insegurança diante de algo estatisticamente seguro está enraizada em processos automáticos e emocionais que escapam do controle consciente da maior parte das pessoas.

Foco e atenção: o que o cérebro escolhe perceber

Estudos da psicologia experimental demonstraram que o foco da atenção não é necessariamente guiado pelos sentidos, mas por filtros internos do cérebro. Um dos primeiros experimentos nessa área foi conduzido por Hermann von Helmholtz em meados de 1850. Ao pedir que voluntários olhassem para um ponto fixo em uma parede com letras e depois iluminassem por milissegundos regiões periféricas, constatou-se que era possível focar mentalmente em algo que não estava no centro da visão. Isso mostrou que o foco da atenção é independente do foco visual.

Com base nesses achados, o psicólogo Donald Broadbent propôs a chamada teoria do filtro. Segundo ele, o cérebro humano é capaz de analisar inicialmente as características físicas dos estímulos que recebe e, em seguida, decide quais seguirão para o processamento consciente. Os demais são suprimidos ou enfraquecidos. Anne Treisman, mais tarde, refinou essa teoria ao sugerir que o cérebro não bloqueia por completo os estímulos considerados irrelevantes, mas apenas reduz sua influência. Um estímulo forte, como o próprio nome de uma pessoa sendo chamado, pode atravessar esse filtro e capturar a atenção.

Esse funcionamento explica, por exemplo, por que é comum baixar o volume do rádio ao procurar um endereço. Embora o som não atrapalhe a visão, ele compete por atenção. A capacidade de selecionar estímulos é limitada e determinada por relevância, contexto e intensidade. Isso também afeta a maneira como interpretamos situações de risco ou perigo, mesmo sem justificativa racional.

  • O foco da atenção é diferente do foco da visão
  • O cérebro filtra os estímulos com base na relevância
  • Estímulos fortes podem furar o filtro mesmo que sejam periféricos

Experimentos sobre seletividade e percepção

A seletividade da atenção foi reforçada por estudos como o experimento do “gorila invisível”, desenvolvido por Daniel Simons e Christopher Chabris. No vídeo, dois grupos passam bolas de basquete entre si e o público é instruído a contar os passes dos jogadores de camiseta branca. Durante a atividade, uma pessoa fantasiada de gorila atravessa a tela, mas a maioria dos espectadores não percebe sua presença. Esse experimento rendeu aos pesquisadores o prêmio Ig Nobel.

O motivo para esse resultado está no fato de que a atenção, uma vez direcionada, exclui outros estímulos não relacionados à tarefa em foco. A surpresa com a presença do gorila também revela outra limitação: muitas pessoas não têm consciência de que estão ignorando parte do que ocorre ao seu redor.

Esse tipo de fenômeno mostra que a percepção humana não é uma reprodução objetiva da realidade, mas uma construção baseada em escolhas atencionais. O que é percebido depende mais daquilo em que se presta atenção do que do que está de fato acontecendo.

  • Experimentos mostram falhas na percepção consciente
  • A atenção seletiva restringe a percepção a apenas alguns estímulos
  • As pessoas raramente percebem as limitações do próprio foco

O papel do raciocínio rápido e da intuição

O psicólogo Daniel Kahneman, em seu livro “Rápido e Devagar”, descreve dois sistemas de pensamento que explicam boa parte do comportamento humano. O primeiro é o pensamento rápido, intuitivo, automático e emocional. O segundo é o pensamento devagar, reflexivo, lógico e controlado. A maior parte das ações diárias é guiada pelo primeiro, que consome menos energia e permite decisões imediatas.

Quando um estímulo é percebido como ameaçador, como uma turbulência em um voo, é o pensamento rápido que entra em ação, ativando respostas fisiológicas de alerta. Mesmo que o pensamento devagar saiba que a turbulência não representa risco, ele exige mais energia e tempo para ser ativado, o que nem sempre ocorre.

Esse processo também é afetado pela chamada depleção do ego, termo cunhado para descrever o esgotamento mental após longos períodos de esforço cognitivo. Um experimento conduzido por Roy Baumeister ilustrou isso ao pedir que voluntários assistissem a um vídeo com distrações e depois resolvessem questões com pegadinhas. Aqueles que não tinham recebido glicose mostraram mais erros, por conta do cansaço cognitivo.

  • O pensamento rápido é automático e baseado em intuição
  • O pensamento devagar é lógico e exige esforço
  • O cérebro recorre ao pensamento rápido quando está cansado

Influência da mídia e memória seletiva

Outro fator que contribui para o medo de avião é o modo como as informações são distribuídas nos meios de comunicação. Acidentes aéreos, apesar de raros, recebem intensa cobertura midiática, com imagens impactantes, depoimentos emocionais e análises técnicas. Isso ocorre porque o jornalismo trabalha com fatos extraordinários, e não com a rotina que funciona normalmente.

A teoria do agendamento, formulada por Maxwell McCombs e Donald Shaw, afirma que a imprensa tem o poder de determinar quais assuntos estarão na pauta da sociedade. Ela não define o que as pessoas devem pensar, mas sobre o que elas irão pensar. Assim, quando há uma tragédia aérea, o tema ocupa o centro da atenção por dias, criando a sensação de que esses acidentes são frequentes.

Você sabia que voar é muito mais seguro do que dirigir, mas mesmo assim muita gente sente medo de avião? A explicação está no funcionamento automático da atenção e da memória.
Você sabia que voar é muito mais seguro do que dirigir, mas mesmo assim muita gente sente medo de avião? A explicação está no funcionamento automático da atenção e da memória.

Como a maioria das pessoas não voa com frequência, suas referências sobre aviação vêm majoritariamente dessas notícias. Isso gera uma memória emocional marcante, que ativa o medo toda vez que uma aeronave é mencionada em contexto de perigo. Mesmo diante de dados racionais, essas memórias são priorizadas pelo sistema de pensamento rápido.

  • Acidentes aéreos têm alta cobertura midiática
  • A teoria do agendamento explica como temas entram na pauta pública
  • Memórias emocionais são mais acessadas do que dados estatísticos

O medo não é causado pela lógica, mas pelo foco

O medo de avião não surge apenas por desconhecimento ou falta de informação. Ele está diretamente ligado a como o cérebro interpreta sinais e memórias associadas a risco. Sempre que algo fora do padrão chama a atenção, o sistema automático de defesa entra em ação, preparando o corpo para evitar o perigo.

Mesmo com estatísticas favoráveis, a associação entre aviação e tragédia persiste. Isso porque a maioria das experiências positivas com voos não é noticiada nem registrada na memória com a mesma intensidade. Enquanto isso, um único acidente pode gerar uma cobertura midiática extensa, moldando a opinião pública por meio da repetição.

O debate sobre segurança aérea raramente considera o impacto da atenção seletiva, da intuição e da pauta midiática na formação de percepções coletivas. Ao entender esses mecanismos, é possível desenvolver estratégias de enfrentamento ao medo que vão além de argumentos estatísticos, considerando também a forma como os estímulos são apresentados.

Fonte: Aaapv, Www-injurylawyers-com, Pmc, Supernormal, Scielo, Wikipedia e En-m-wikipedia-org.