Por que os trens sumiram do Brasil e o que pode mudar

Quando a primeira ferrovia do Brasil foi inaugurada em 1854, ela prometia um futuro promissor para os trens no país. No entanto, mais de 170 anos depois, quase não se pode viajar sob trilhos. Este artigo revela por que o sistema ferroviário nacional ficou para trás: desde a falta de padronização da bitola até a decisão histórica de priorizar as rodovias. E mostra o que o novo projeto de trem-bala entre São Paulo e Rio pode significar para o transporte no Brasil.
Publicado por Maria Eduarda Peres em Curiosidades dia 16/05/2025

No dia 30 de abril de 1854, Irineu Evangelista de Souza recebeu do imperador Dom Pedro II o título de Barão de Mauá após inaugurar a primeira ferrovia do Brasil. A via conectava o Porto de Mauá à Raiz da Serra, numa extensão de 14,5 quilômetros.

Pontos Principais:

  • O Brasil possui 30 mil km de trilhos, mas a maioria está inativa ou isolada.
  • A falta de padronização da bitola impede a integração nacional das ferrovias.
  • Padronizar os trilhos custa até R$ 3,5 milhões por quilômetro, segundo estimativas.
  • O projeto do trem-bala SP-RJ usará a bitola padrão e pode marcar uma nova era ferroviária.

Ao longo das décadas seguintes, o transporte ferroviário ganhou importância no país, mas hoje conta com cerca de 30 mil quilômetros de trilhos, dos quais 11 mil estão fora de operação. Apenas duas linhas continuam oferecendo transporte de passageiros em caráter regular.

O sistema atual mostra concentração no Sudeste e no Sul, com pouca presença no Nordeste e praticamente nenhum no Norte e Centro-Oeste. A fragmentação impede viagens de longa distância sem trocas de trem e inviabiliza a malha como alternativa competitiva ao transporte rodoviário.

Origens da ferrovia no Brasil

A inauguração da Estrada de Ferro Mauá simbolizou o início da era ferroviária no país. O evento contou com a presença da locomotiva “Baronesa” e da corte imperial, que percorreu 14,5 quilômetros em 23 minutos.

No século XIX, cada trecho foi planejado pela iniciativa privada para atender interesses locais, como o escoamento de café. Essa ausência de coordenação resultou em linhas com diferentes bitolas e rotas redundantes.

Em 1889, o Brasil já tinha oito medidas distintas de bitola e pouco mais de 9 mil quilômetros de trilhos. A falta de uniformidade contrastava com países que, logo após a adoção inicial, estabeleceram padrões nacionais.

Rede ferroviária atual

Hoje, das 30 mil linhas, apenas duas oferecem transporte de passageiros entre estados: a Estrada de Ferro Carajás e a Vitória-Minas. A maior parte é dedicada ao transporte de carga.

A distribuição espacial privilegia as regiões produtoras de commodities. No Centro-Oeste e Norte, a ausência de ferrovias limita o acesso a mercados internos e externos sem uso de rodovias.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) registra que a malha está concentrada no eixo Sudeste–Sul, criando três sistemas isolados que não se conectam.

Questão da bitola

O Brasil inaugurou sua primeira ferrovia em 1854, com Irineu Evangelista de Souza à frente. A novidade prometia impulsionar a indústria e modernizar o transporte no país- reprodução /canva
O Brasil inaugurou sua primeira ferrovia em 1854, com Irineu Evangelista de Souza à frente. A novidade prometia impulsionar a indústria e modernizar o transporte no país- reprodução /canva

A bitola define a distância entre as faces internas dos trilhos e deve coincidir com a largura entre as rodas da locomotiva. No Brasil existem principalmente:

  • Bitola estreita: 1.000 mm
  • Bitola larga (irlandesa): 1.600 mm
  • Bitola padrão (standard): 1.435 mm

A coexistência de múltiplas bitolas impede que os trens circulem por todo o território sem baldeações. Isso afeta rotas de média e longa distância, aumentando custos logísticos.

O uso de bitola mista em apenas 514 quilômetros é insuficiente para integrar os trechos e reverter o abandono de linhas. Apenas 194 quilômetros em bitola padrão ficam isolados na Estrada de Ferro Mapa.

Desafios de padronização

Uniformizar as bitolas exige adaptações que vão além da troca de trilhos. É necessário reforçar aterros, ampliar pontes, viadutos e túneis para suportar novas larguras e cargas.

O custo estimado para conversão de bitola larga para estreita é de cerca de R$ 2 milhões por quilômetro. Para ampliar trechos métricos, o valor pode atingir R$ 3,5 milhões por quilômetro.

Essa opção revela a complexidade de reformar um sistema com dezenas de milhares de quilômetros. A adoção tardia de um padrão nacional em 1970 agravou o problema, pois não envolveu a adaptação das linhas existentes.

Perspectiva do trem-bala

Em 2023, a Agência Nacional de Transportes Terrestres autorizou o estudo de um trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro. O projeto prevê:

  • Linha de 417 km com duas estações intermediárias
  • Início das obras em 2027 e inauguração em 2032
  • Uso da bitola padrão (1.435 mm)

O investimento estimado é de R$ 60 bilhões. A passagem integral deve custar R$ 500 e a parcial R$ 250, criando uma nova opção de transporte de alta velocidade no país.

Essa iniciativa pode inaugurar uma nova era ferroviária, conectando regiões e reduzindo a pegada de carbono em comparação a viagens de carro e avião.

Sustentabilidade e logística

Estudos apontam que trens-bala emitem até 14 vezes menos CO₂ que carros e 15 vezes menos que aviões. A eletrificação do transporte contribui para metas de redução de emissões.

Em percursos entre 400 e 1.500 km, o modal ferroviário apresenta vantagens econômicas sobre rodovias. Para distâncias maiores, a navegação fluvial é mais eficiente, mas nem todas as rotas dispõem dessa opção.

A padronização de bitolas e investimentos em infraestrutura podem reativar corredores estratégicos, otimizando o fluxo de mercadorias e passageiros.

Fonte: Câmara dos Deputados, Bbc.