Krakatoa não ficou marcado apenas pela geografia ou pela geologia. Em 1883, o vulcão que se localiza entre as ilhas de Java e Sumatra, na Indonésia, protagonizou um dos episódios mais intensos da história natural documentada. O evento ultrapassou limites de escala sonora, alterou o clima global e teve impactos culturais inesperados.
Pontos Principais:
A erupção do Krakatoa é lembrada não apenas pelo volume da explosão, mas pelas consequências que ela gerou. A intensidade do som chegou a níveis inéditos e foi registrada em diferentes regiões do mundo, com ecos físicos e atmosféricos que se estenderam por anos. A análise histórica e científica do episódio mostra como um único evento natural pode atravessar continentes e influenciar fenômenos distantes.
Este artigo busca reunir os principais dados técnicos e históricos sobre a erupção, detalhar os efeitos climáticos e culturais provocados pelo desastre e explorar a conexão entre o evento e uma das obras mais reconhecidas da arte moderna: O Grito, do pintor norueguês Edvard Munch.
O dia 27 de agosto de 1883 é o marco da quarta e última explosão do vulcão Krakatoa. A detonação final atingiu cerca de 310 decibéis, número que representa o maior volume sonoro já documentado na história. A onda de choque viajou a uma velocidade superior a 1.000 km/h e foi ouvida a mais de 5.000 quilômetros de distância.
Esse nível de intensidade sonora não encontra paralelo na escala habitual de ruídos conhecidos. Um motor de avião a jato a 100 metros, por exemplo, chega a 110 decibéis. A explosão do Krakatoa rompeu tímpanos de marinheiros localizados a até 64 quilômetros do epicentro e quebrou janelas em cidades a quase 900 quilômetros.
Instrumentos científicos da época, como barógrafos, registraram a passagem da onda de choque. O impacto foi tão amplo que a onda circulou o planeta três vezes e meia, sendo detectada em sua totalidade em diferentes regiões ao redor do globo.

A quantidade de material ejetado para a atmosfera durante a erupção foi suficiente para alterar o equilíbrio térmico global. Cinzas vulcânicas foram lançadas a altitudes próximas a 80 quilômetros. Isso provocou uma maior reflexão da luz solar pelas nuvens e resultou em um resfriamento médio de 1,2 ºC em grande parte do hemisfério norte.
Esse resfriamento teve efeitos prolongados. Os registros indicam que o verão de 1884 foi atipicamente frio em várias partes do mundo, e o clima permaneceu instável até 1888. O aumento da concentração de ácido sulfúrico na atmosfera contribuiu para intensificar esse fenômeno.
Nos Estados Unidos, cidades como Los Angeles e San Diego registraram volumes recordes de precipitação entre julho de 1883 e junho de 1884. O episódio serviu como exemplo de como grandes erupções vulcânicas podem interferir diretamente nos sistemas climáticos de longo prazo.
As cinzas lançadas na atmosfera tinham partículas com capacidade de bloquear mais a luz vermelha. Isso produziu efeitos ópticos incomuns, como luas esverdeadas e pores do sol extremamente vermelhos, visíveis em diversas regiões do planeta durante meses após o evento.
Relatos da época apontam que o céu ganhou tons incomuns, com colorações alaranjadas e rubras persistentes. Esses fenômenos atmosféricos foram documentados por observadores ao redor do mundo e geraram interpretações variadas, inclusive fora do campo científico.
Essa alteração na coloração do céu também impactou registros artísticos e culturais. A pintura O Grito, produzida por Edvard Munch em 1893, retrata um céu avermelhado que alguns estudiosos associam diretamente aos efeitos visuais causados pela erupção do Krakatoa uma década antes.
O debate sobre a relação entre o quadro de Munch e a erupção do Krakatoa foi intensificado por uma hipótese apresentada em 2004 por um grupo de astrônomos. Segundo eles, o céu vermelho retratado na obra poderia ter sido inspirado pelas cores anormais do céu observadas após a erupção de 1883.
A teoria se baseia na coincidência de datas, locais e descrições visuais. Munch viveu em uma época em que o céu europeu foi influenciado pelas partículas em suspensão na atmosfera. As cores intensas e o aspecto dramático seriam reflexos diretos da alteração atmosférica documentada.
Por outro lado, historiadores da arte argumentam que Munch era um artista impressionista. O movimento permite representações subjetivas da realidade e não exige precisão naturalista. Assim, mesmo que as cores tenham sido vistas na época, sua inserção no quadro poderia ter caráter simbólico ou emocional.
A erupção do Krakatoa causou efeitos em diferentes camadas da sociedade e do ambiente. Além das transformações climáticas e atmosféricas, a erupção criou tsunamis com ondas de até 30 metros de altura e afetou comunidades costeiras em várias partes da Indonésia.
Após o episódio, menos de 30% da ilha onde se situava o vulcão continuava existindo. Estima-se que mais de 36 mil pessoas morreram em decorrência direta da erupção e dos tsunamis subsequentes. O evento gerou alertas em diferentes países e influenciou a forma como se passou a monitorar atividades sísmicas.
As mudanças na atmosfera também serviram de base para estudos futuros sobre geoengenharia e impactos de grandes emissões de partículas na troposfera e na estratosfera. A erupção do Krakatoa se tornou objeto de pesquisas interdisciplinares envolvendo climatologia, geofísica e história cultural.
O episódio do Krakatoa também destaca como a intensidade do som é medida e percebida. A escala de decibéis utilizada para esse fim é logarítmica, o que significa que cada aumento de 10 unidades representa uma multiplicação por 10 na intensidade sonora.
Para fins comparativos, um ambiente de sala tranquila apresenta cerca de 20 decibéis. Já sons acima de 85 decibéis, quando contínuos, são capazes de causar danos auditivos permanentes. O som de 310 decibéis do Krakatoa excede esse limite em milhões de vezes.
Com essa intensidade, o som da erupção ultrapassou o limiar de dor auditiva e foi registrado não apenas por testemunhas humanas, mas por instrumentos científicos, navios comerciais e autoridades costeiras em diferentes continentes.

O caso do Krakatoa representa um exemplo raro de evento natural que gerou simultaneamente consequências geofísicas, meteorológicas e culturais. A documentação da época foi ampla, tanto em periódicos científicos quanto em relatos de navegadores e residentes.
O cruzamento de dados técnicos com observações artísticas revela o potencial de eventos extremos influenciarem múltiplos aspectos da sociedade. A partir do Krakatoa, foram desenvolvidas metodologias mais precisas de medição de ondas de choque e impacto atmosférico global.
O episódio também reforçou a importância de registros meteorológicos contínuos e da interconexão entre fenômenos locais e efeitos globais. As cinzas lançadas por um vulcão em uma ilha remota influenciaram temperaturas, padrões de chuva e até possíveis interpretações artísticas em outros continentes.