As decisões do Superior Tribunal de Justiça ao longo dos anos refletem uma evolução notável no conceito de família no Brasil. De uma visão tradicional baseada em vínculos biológicos e matrimoniais, o direito de família brasileiro se adaptou às novas realidades, reconhecendo famílias formadas por laços afetivos, independentemente de sua forma ou composição.
Essas decisões demonstram a importância da afetividade como critério central na determinação das relações familiares legítimas. O STJ tem desempenhado um papel fundamental na proteção dos direitos e interesses das famílias brasileiras, independentemente de sua configuração. À medida que a sociedade continua a evoluir, o direito de família seguirá se adaptando para refletir a diversidade e complexidade das relações familiares no Brasil.
O mundo moderno trouxe uma série de transformações nas relações sociais e familiares, desafiando as definições tradicionais de família. No Brasil, as mudanças na concepção de família têm sido acompanhadas de perto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que desempenhou um papel fundamental na adaptação do direito brasileiro a essas novas realidades. Neste artigo, exploraremos como o conceito de família evoluiu no Brasil, à medida que o reconhecimento de novos laços familiares e a importância da afetividade têm moldado as decisões do STJ.
A visão clássica de família, fundamentada em vínculos biológicos e matrimoniais, foi durante muito tempo a base do entendimento legal no Brasil. No entanto, o mundo moderno trouxe uma série de mudanças nas relações sociais e particulares que desafiaram essa visão tradicional. Hoje, as famílias brasileiras são mais diversas do que nunca, refletindo uma variedade de arranjos e relações que vão além dos laços de sangue e do casamento.
Uma das mudanças mais significativas na definição de família ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Esta constituição inovadora trouxe novos modelos familiares para o centro do debate jurídico, reconhecendo a união estável e a família monoparental como entidades familiares legítimas.
A Constituição de 1988 também estabeleceu o princípio da afetividade como parte integrante das relações familiares. Segundo esse princípio, o objetivo da família passou a ser a solidariedade social para a realização das condições necessárias ao aperfeiçoamento e ao progresso humano, regido pelo afeto. Isso representou uma mudança significativa no enfoque do direito de família no Brasil, que anteriormente estava fortemente centrado em aspectos patrimoniais e biológicos.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) desempenhou um papel fundamental na adaptação do direito brasileiro a essas mudanças na definição de família. Ao longo dos anos, o STJ emitiu várias decisões que refletem a evolução do conceito de família e a importância da afetividade como critério para determinar relações familiares legítimas.
Em um caso notável (REsp 1.574.859), a Segunda Turma do STJ analisou a questão do direito dos avós a receberem pensão por morte após o falecimento do neto que eles criaram. Os avós argumentaram que a pensão era necessária para atender às necessidades financeiras decorrentes do óbito.
O tribunal reconheceu que os avós desempenharam um papel semelhante ao dos genitores desde que o neto tinha dois anos de idade, devido à morte dos pais biológicos. Além disso, ficou comprovada a dependência econômica dos avós em relação ao segurado falecido. O relator, Ministro Mauro Campbell Marques, afirmou que essa não era uma questão de ampliação do rol legal de dependentes, mas sim de reconhecimento daqueles que efetivamente ocuparam a posição de pais na vida do segurado.
Ele enfatizou a importância de aplicar os valores da família aos casos concretos, em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme estabelecido na Constituição. Essa decisão destaca como o STJ tem abraçado a noção de famílias formadas por laços afetivos e não apenas biológicos.
Outra decisão significativa (REsp 159.851) ocorreu em 1998, quando a Quarta Turma do STJ reconheceu como moradia familiar uma casa onde moravam apenas irmãos solteiros. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) havia argumentado que a Lei 8.009/1990 tornava impenhorável apenas o imóvel classificado como próprio do casal ou da entidade familiar constituída por união estável entre homem e mulher, ou formada pelos pais e seus descendentes.
No entanto, o STJ decidiu que os irmãos solteiros que moravam juntos constituíam uma nova entidade familiar. Isso estendeu a proteção da impenhorabilidade aos filhos solteiros que continuavam residindo no mesmo imóvel que antes era ocupado pelos pais. Essa decisão reflete a noção de que a família não se limita apenas à união de casais heterossexuais ou à presença de pais e filhos.
Um marco importante na evolução do conceito de família no Brasil ocorreu em 2011, quando a Quarta Turma do STJ reconheceu a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo. O relator, Ministro Luis Felipe Salomão, destacou que, a partir da Constituição de 1988, o direito de família brasileiro passou a ser baseado na adoção de um “explícito poliformismo familiar” que reconhece diversos arranjos familiares, todos merecedores de proteção do Estado.
O ministro argumentou que as famílias formadas por casais homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos das famílias constituídas por casais heteroafetivos, ou seja, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. Essa decisão foi um passo importante na igualdade de direitos para todos os cidadãos, independentemente de sua orientação sexual.
Uma decisão mais recente (REsp 1.851.893) demonstrou como o STJ desvinculou a ideia de família da necessidade de habitação conjunta. Nesse caso, a Terceira Turma considerou como parte da entidade familiar os sogros de uma devedora, que viviam em uma residência emprestada por ela.
O tribunal enquadrou o imóvel como um bem de família, destacando que a proteção se estende também ao local onde reside a família extensa. Isso significa que, mesmo que os sogros não habitem a mesma casa que a devedora, eles ainda fazem parte da entidade familiar e têm direito à impenhorabilidade do imóvel.