ITER finaliza maior ímã supercondutor do mundo e avança rumo à energia por fusão nuclear

No interior da França, uma colaboração entre mais de 30 países finalizou o maior ímã supercondutor do mundo, peça-chave para o funcionamento do ITER — reator que busca reproduzir a fusão nuclear do Sol. Com previsão de testes para 2033 e operação em 2034, o projeto representa uma das maiores apostas da ciência por energia limpa, reunindo estruturas gigantescas, engenharia internacional e décadas de cooperação em um só experimento.
Publicado por Maria Eduarda Peres em Notícias dia 5/05/2025

O avanço da energia nuclear por fusão alcançou uma nova etapa em maio de 2025 com a conclusão do maior sistema magnético já construído. O projeto ITER, localizado no sul da França, finalizou a montagem de todos os componentes do seu sistema de ímãs supercondutores, incluindo o solenoide central, uma das estruturas mais complexas e exigentes da engenharia moderna. O reator é um esforço internacional que reúne mais de 30 países e visa demonstrar a viabilidade da energia de fusão em escala industrial.

Enorme dispositivo em sala de pré-montagem da maior máquina de experimentos de fusão do mundo, o ITER Tokamak, em St. Paul-Lez-Durance, França, no dia 23 de novembro de 2023. (Xinhua/Gao Jing)
Enorme dispositivo em sala de pré-montagem da maior máquina de experimentos de fusão do mundo, o ITER Tokamak, em St. Paul-Lez-Durance, França, no dia 23 de novembro de 2023. (Xinhua/Gao Jing)

Pontos Principais:

  • ITER finaliza maior ímã supercondutor do mundo, com 18 metros de altura.
  • Estrutura magnética é essencial para conter o plasma superaquecido no reator.
  • Mais de 30 países participam do projeto, liderado pela União Europeia.
  • Operação completa está prevista para 2034, após testes com plasma em 2033.

Desde sua concepção na década de 1980, o ITER tem sido o centro de uma colaboração técnica e científica global. A proposta surgiu de um acordo entre líderes das superpotências da época e evoluiu até se tornar uma das maiores iniciativas científicas já realizadas. A montagem do reator envolve peças produzidas em fábricas localizadas em três continentes, transportadas e integradas em um único complexo científico, o Tokamak, projetado para conter reações de fusão em condições similares às do interior do Sol.

O objetivo do projeto é estudar a fusão de átomos de hidrogênio sob temperaturas extremas, que superam os 150 milhões de graus Celsius. O resultado esperado é um reator capaz de produzir até 500 megawatts de energia térmica com apenas 50 megawatts de entrada, demonstrando um ganho energético dez vezes superior. A estrutura final deve entrar em funcionamento até 2034, após a fase de testes com plasma prevista para 2033.

O sistema magnético do reator

O componente mais importante dessa nova etapa foi a montagem do solenoide central. Com 18 metros de altura e mais de quatro metros de diâmetro, ele é considerado o maior e mais potente ímã supercondutor pulsado já produzido. O sistema completo inclui ainda seis bobinas poloidais em forma de anel e diversos outros elementos auxiliares que, juntos, vão manter o plasma estável e confinado no centro do tokamak.

Essa estrutura magnética será responsável por gerar o campo necessário para controlar o plasma superaquecido, sem permitir que ele toque as paredes do reator. Isso é essencial para manter a reação estável por tempo suficiente para que a energia seja gerada de forma contínua. O campo gerado pelo sistema equivale a 51 gigajoules de energia magnética armazenada, o que corresponde à força necessária para içar embarcações de grande porte.

O solenoide central foi projetado nos Estados Unidos e transportado para a França após uma série de testes em solo americano. O processo de fabricação levou anos e exigiu o desenvolvimento de materiais específicos, como os fios supercondutores de nióbio-estanho, encapsulados em aço, produzidos principalmente na China. Esses fios somam mais de 100 mil quilômetros e foram usados em todas as bobinas magnéticas do sistema.

Cooperação internacional e desafios logísticos

O ITER não pertence a um único país. A União Europeia é a principal financiadora, com 45% dos investimentos, enquanto China, Rússia, EUA, Japão, Índia e Coreia do Sul contribuem com cerca de 9% cada. Apesar da distribuição desigual de recursos, todos os países participantes têm acesso integral à propriedade intelectual do projeto e aos dados científicos obtidos.

A montagem do reator exigiu a construção de fábricas temporárias no próprio canteiro de obras, já que o transporte de componentes pelas estradas francesas era inviável. Algumas das peças ultrapassam as capacidades logísticas tradicionais, tanto em peso quanto em dimensões. Isso exigiu uma coordenação industrial em escala global, com um cronograma de entregas e montagem que ultrapassa duas décadas.

Mesmo em um cenário internacional marcado por tensões geopolíticas, o ITER se manteve como um espaço neutro de colaboração científica. Desde o início da construção civil, milhares de engenheiros e cientistas de diferentes países contribuíram para o desenvolvimento da estrutura, que segue em ritmo acelerado mesmo após sucessivos adiamentos.

Funcionamento da fusão nuclear

A base do funcionamento do ITER é a fusão nuclear, processo pelo qual dois átomos leves, como o deutério e o trítio, se fundem sob temperaturas e pressões extremas. Esse processo libera uma grande quantidade de energia, que pode ser convertida em eletricidade. Ao contrário da fissão, a fusão não gera resíduos radioativos de longa duração e não depende de elementos pesados como o urânio.

No interior do tokamak, o gás de hidrogênio será transformado em plasma, um estado da matéria onde os elétrons se separam dos núcleos. Esse plasma será confinado por campos magnéticos extremamente fortes, criados pelos ímãs supercondutores. A estabilidade do plasma é a condição essencial para que a fusão aconteça de forma controlada e contínua.

O ganho energético previsto é de dez vezes a potência injetada, o que colocaria a fusão como uma fonte viável de energia para abastecimento em larga escala. Porém, os desafios técnicos ainda são significativos: é necessário não apenas conter o plasma por longos períodos, mas também manter a integridade dos materiais diante de temperaturas e pressões extremas.

Expectativas e aplicações futuras

A operação bem-sucedida do ITER abriria caminho para a próxima geração de reatores de fusão comercial, como o projeto DEMO, já em fase conceitual. Ao mesmo tempo, tecnologias derivadas da construção do ITER começam a ser aplicadas em outros setores, como materiais resistentes a altas temperaturas, sensores de precisão e sistemas de manutenção robótica.

Empresas privadas também têm demonstrado interesse em desenvolver versões compactas de reatores de fusão, com promessas de resultados comerciais nos próximos dez anos. No entanto, a maioria dos especialistas mantém cautela. O diretor do ITER, Pietro Barabaschi, considera improvável que soluções economicamente viáveis surjam antes de duas ou três décadas.

Apesar disso, o ITER serve como um grande laboratório para os países envolvidos. A experiência acumulada com o projeto contribui para o avanço da ciência em diversas áreas, além de formar especialistas em engenharia nuclear, materiais avançados e sistemas de controle automatizado. Para muitos dos cientistas envolvidos, a fusão nuclear é menos uma promessa de curto prazo e mais uma ferramenta estratégica de longo alcance.

Implicações ambientais e energéticas

A principal motivação do projeto é a busca por fontes de energia de baixa emissão de carbono. Em um momento de mudanças climáticas aceleradas, a necessidade de alternativas energéticas sustentáveis se tornou uma prioridade. A fusão nuclear se destaca por não emitir gases de efeito estufa durante sua operação.

Se os objetivos do ITER forem alcançados, a energia de fusão poderá se tornar uma opção viável para reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Mesmo não sendo uma solução imediata, ela pode compor a matriz energética futura ao lado de fontes como solar, eólica e hidrelétrica.

O projeto também reforça a ideia de que grandes desafios ambientais exigem soluções colaborativas. A fusão nuclear representa uma fronteira tecnológica que só pôde ser alcançada graças à mobilização conjunta de governos, instituições científicas e indústrias de diversos países.

Fonte: Folha, iG e Olhardigital.