Ciência exploratória de ponta não acontece tanto em territórios politicamente instáveis. E é exatamente nesses locais que podem existir fósseis fascinantes a serem descobertos. Mas, acontece que a ciência tem um grande problema geográfico.
A inglesa e paleoantropóloga Ella Al-Shamahi é especializada em descoberta de fósseis em cavernas em territórios instáveis, hostis e sob disputa. Em uma palestra TED exercida em abril de 2019, ela conta sua fascinante expedição à ilha iemenita de Socotra, um dos lugares mais biodiversos da Terra, e com isso incentiva os outros cientistas para explorar mais as regiões instáveis que poderiam ser o lar de descobertas incríveis.
O Iêmen é um país no Médio Oriente, que ocupa a extremidade sudoeste da Península da Arábia. É limitado a norte pela Arábia Saudita, a leste por Omã, a sul pelo mar da Arábia e pelo golfo de Áden, do outro lado do qual se estende a costa da Somália e a oeste pelo estreito de Bab el Mandeb, que o separa de Djibouti, e pelo mar Vermelho. É aí que Ella Al-Shamahi pretendia explorar.
“Minha família é árabe do Iêmen, e eu sabia que atravessar aquele canal, o Bab-el-Mandeb, não era uma grande façanha. E eu ficava me perguntando uma coisa muito simples: se os ancestrais dos macacos do Novo Mundo conseguiram atravessar o Oceano Atlântico, por que os humanos não podiam cruzar aquele pequeno trecho de água?” Questionou Ella Al-Shamahi.
Mas o problema é que o Iêmen, em comparação com, digamos, a Europa, foi tão pouco estudado que parece quase um território “virgem”. E isso, junto com sua localização, era o que tornava o local um enorme potencial de descoberta muito emocionante. Porém, infelizmente existem muitas barreiras que impedem de cientistas exploradores de chegar no Iêmen, principalmente devido à instabilidade política, e pelo fato de existir guerra no país, isso está acontecendo lá há mais de quatro anos, o que levou a uma crise humanitária enorme, jamais vista em 100 anos.
“O Iêmen sofreu uma virada realmente triste para o pior, e apenas alguns dias antes de eu voar para lá, a guerra civil se alastrou para um conflito regional, o aeroporto da capital foi bombardeado e o Iêmen se tornou uma zona de exclusão aérea.” Revelou a paleoantropóloga.
Como o desejo de ir para o Iêmen não deu certo, a paleoantropóloga Ella Al-Shamahi se juntou com outra equipe para novas colaborações, em outros lugares instáveis.
“Mas eu estava desesperada para voltar ao Iêmen, porque, pra mim, o país tinha um significado pessoal. Então continuei a pensar num projeto para fazer lá que poderia ajudar a divulgar a situação do lugar. E toda ideia que eu tinha acabava falhando ou envolvia alto risco, porque, vamos ser honestos, a maior parte do Iêmen é muito perigosa para uma equipe ocidental.” Disse Ella Al-Shamahi.
Mas por fim, ela acabou descobrindo o Socotra, um pequeno arquipélago formado por quatro ilhas no oceano Índico, em frente à costa do Chifre da África, é uma ilha que pertence ao Iêmen. Em Socotra já havia alguns estudiosos locais e internacionais que ainda estavam explorando terras de lá.
Socotra, é na verdade conhecida por um motivo, como as Galápagos do Oceano Índico, porque é um dos lugares mais biodiversos na Terra. Assim, Ella Al-Shamahi montou uma enorme equipe multidisciplinar para atravessar o arquipélago e saíram rumo ao uma expedição grande sem reconhecimento. Ella Al-Shamahi e sua equipe estavam tentando chegar a um lugar entre o Iêmen e a Somália, e foram num navio de madeira de carga de cimento, navegando por águas piratas no Oceano Índico.
“Então, estávamos navegando naquele navio de carga de cimento havia três dias, e lentamente começamos a ver a terra. E depois de três anos de fracasso, finalmente eu estava vendo o Iêmen.” Contou Ella Al-Shamahi.
Realizar o começo de um expedição é o melhor sentimento no mundo para um cientista, e é exatamente isso que Ella Al-Shamahi quer refletir para outros cientistas exploradores, e assim mostrar que pode ser possível encontrar algo que poderia alterar nosso conhecimento sobre quem somos e de onde viemos. É algo que que tantos cientistas têm, mas raramente em lugares politicamente instáveis. Porque os cientistas ocidentais são desencorajados ou barrados de trabalhar em lugares instáveis.
“Não estou dizendo que todos cientistas devam se aventurar a trabalhar em lugares instáveis. Este não é um convite sedutor. Mas é o seguinte: aqueles que fazem pesquisa, entendem o protocolo de segurança e são treinados, parem de deter aqueles que querem. Mais ainda: só porque uma parte de um país é uma zona ativa de guerra não significa que o país inteiro seja. Não estou dizendo que devemos ir a zonas de guerra ativas. Mas o Curdistão iraquiano parece muito diferente de Faluja.” Argumentou a paleoantropóloga Ella Al-Shamahi.
Os cientistas que se especializam na selva trabalham em sistemas de cavernas profundas, outros que se amarram a foguetes e se lançam no espaço sideral. Mas, aparentemente, trabalhar num lugar instável é considerado arriscado demais. É completamente arbitrário,e por isso muita parte do planeta não foi explorada. A propósito, todos os lugares merecem narrativas de esperança, e a ciência e a exploração podem colaborar para isso. Podem até mesmo ajudar de forma tangível o desenvolvimento, e essas descobertas se tornam uma enorme fonte de orgulho local.
Outro fato que comprova o motivo por que a ciência tem um problema geográfico, é a questão de haver pouco empoderamento de estudiosos locais, no campo específico da paleoantropologia, onde estuda as origens humanas, há tão poucos cientistas diversos.
O que conclui que, pesquisa feita em lugares instáveis com colaboradores locais pode levar a descobertas incríveis. É preciso mostrar ao mundo este lugar antes que seja tarde demais.