Nas décadas de 1980 e 1990, o cinema popularizou uma ideia que até hoje habita o imaginário coletivo: veículos flutuantes. A trilogia de ficção científica De Volta Para o Futuro apresentou o conceito de hoverboards, dispositivos semelhantes a skates que não tocam o solo. A premissa era simples: eliminar o atrito com o chão e permitir a locomoção por meio de flutuação pura. Na ficção, a solução envolvia tecnologia avançada que tornava possível ignorar os efeitos da gravidade terrestre. Na realidade, o desafio é muito maior.
Pontos Principais:
A busca pela chamada anti-gravidade não se limita a conceitos cinematográficos. Desde meados do século XX, cientistas e institutos de pesquisa têm dedicado tempo e recursos a compreender e, se possível, anular os efeitos da força gravitacional. O interesse por essa possibilidade não se restringe à ciência fundamental: aplicações práticas em transporte, indústria militar e exploração espacial motivam investimentos significativos. No entanto, os obstáculos conceituais e experimentais permanecem.
Embora o senso comum sugira que a tecnologia atual deveria ser capaz de desenvolver hoverboards ou carros voadores baseados em anti-gravidade, o princípio físico por trás dessas ideias é mais complexo do que parece. Flutuação por meio de campos magnéticos, como a usada em trens de levitação magnética, não constitui anti-gravidade. Trata-se de vencer a gravidade com outra força, não de anulá-la.
Flutuar é possível, mas não por ausência de gravidade. Levitação magnética utiliza campos magnéticos para contrabalancear a atração terrestre. A força envolvida nesse processo é a força de Lorentz, que atua em sentidos opostos à gravidade. Apesar de eficaz, essa técnica depende de condições específicas, como materiais supercondutores e trilhos com propriedades adequadas, o que inviabiliza sua aplicação em dispositivos móveis e urbanos como hoverboards.
A força gravitacional, embora responsável por manter corpos próximos à superfície terrestre, é extremamente fraca em comparação com outras forças fundamentais. A gravidade é cerca de 10⁴⁰ vezes mais fraca do que a força eletrostática, por exemplo. Isso torna teoricamente possível vencê-la com outros tipos de interação, como eletromagnetismo ou mecânica de fluidos, mas não a torna anulável.
Experimentos com giroscópios e fluidos de comportamento exótico já foram conduzidos na tentativa de simular anti-gravidade. Embora em certos contextos os resultados tenham sugerido comportamentos inesperados, nenhuma evidência sólida de anulação gravitacional foi verificada. Em todos os casos, trata-se de manipulação de forças conhecidas ou efeitos secundários de sistemas complexos, sem violação das leis físicas atuais.
A física oferece diferentes interpretações para a gravidade. A teoria newtoniana a descreve como uma força de atração entre corpos com massa, proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. Já a relatividade geral, proposta por Albert Einstein, reformula essa ideia. A gravidade não seria uma força convencional, mas o resultado da curvatura do espaço-tempo causada pela presença de massa.
Nesse contexto, a proposta de anti-gravidade se torna ainda mais complicada. Seria necessário criar uma curvatura oposta no espaço-tempo, algo que só poderia ser alcançado com massa negativa. Essa massa, no entanto, não foi observada na natureza. Em termos teóricos, massas negativas causariam comportamentos paradoxais, como violação da conservação de energia e possibilidade de viagens no tempo.
A existência de massa negativa contradiz pilares fundamentais da física. Mesmo que fosse encontrada, seu comportamento na presença de massa comum poderia gerar efeitos de instabilidade, com aceleração contínua e sem dissipação. A relatividade geral não apenas não prevê esse tipo de massa como também inviabiliza sua coexistência com o restante da matéria conhecida.
Apesar das limitações teóricas, pesquisas continuam a explorar fenômenos que possam, de alguma forma, simular a anti-gravidade. Em 2017, cientistas da Washington State University realizaram um experimento com átomos de rubídio resfriados até próximo ao zero absoluto. O comportamento do fluido formado por esses átomos, ao ser empurrado, foi o de reagir na direção oposta, como se tivesse massa negativa.
O resultado foi interpretado como um efeito quântico. A massa dos elétrons não foi alterada; o que ocorreu foi um comportamento coletivo que simulava massa negativa. Mesmo que o fenômeno tenha sido registrado, ele não representa uma mudança real na massa gravitacional dos átomos envolvidos. Além disso, trata-se da chamada massa inercial, relacionada à resistência ao movimento, e não da massa gravitacional, responsável pela interação com campos gravitacionais.
Outro experimento frequentemente citado é o desafio proposto pelo Gravity Research Foundation, que oferece 1 milhão de euros a quem conseguir fazer um objeto de pelo menos 20 gramas flutuar por um minuto, a 10 cm do solo, sem usar campos eletromagnéticos ou outros truques conhecidos. Desde a criação do prêmio em 2004, todas as tentativas falharam.
A associação entre anti-gravidade e antimatéria é comum, mas não tem respaldo experimental. As antipartículas — como o pósitron, parceiro do elétron — possuem carga oposta à de suas equivalentes, mas mesma massa. A expectativa, com base no princípio da equivalência, é que a massa gravitacional da antimatéria também seja positiva.
No entanto, como a física é uma ciência experimental, há esforços para verificar essa hipótese na prática. Um dos experimentos mais promissores envolve o anti-hidrogênio, composto por um antipróton e um pósitron. Por ser eletricamente neutro, ele não sofre interferência de campos eletromagnéticos, o que facilita o isolamento da ação gravitacional.
A proposta desses experimentos é simples: soltar anti-hidrogênio em um ambiente isolado e observar seu movimento. Se cair, confirma-se que sua massa gravitacional é positiva. Se subir, indicaria massa gravitacional negativa e abriria possibilidade para pesquisas em anti-gravidade. Até o momento, os resultados são inconclusivos.
A ausência de evidência experimental sobre a existência de massa negativa ou de efeitos de anti-gravidade não impede que a pesquisa continue. A gravidade ainda é um dos maiores mistérios da ciência moderna. Embora teorias alternativas, como a energia escura, proponham formas de explicar fenômenos em grande escala que envolvem expansão do universo, essas explicações operam em outro contexto e não envolvem a anulação local da gravidade.
É importante distinguir entre vencer a gravidade com forças conhecidas e anulá-la. O primeiro é viável e já acontece em sistemas como trens de levitação magnética. O segundo ainda depende de conceitos teóricos que não se confirmaram na prática e, em muitos casos, esbarram em contradições fundamentais.
Por mais que o fascínio por tecnologias como hoverboards ou naves com propulsão gravitacional continue a inspirar a ficção científica, os limites da física atual impõem obstáculos concretos. A anti-gravidade permanece, por ora, como um conceito teórico sem base empírica, embora siga despertando interesse em diferentes áreas do conhecimento.
Fonte: Spacetoday, Wikipedia e Olhardigital.