Chernobyl: a explosão que mudou a história da energia nuclear e da humanidade para sempre

Em 1986, um teste mal conduzido no reator 4 da usina de Chernobyl resultou no pior acidente nuclear da história. Mais do que uma tragédia local, o episódio expôs falhas técnicas, decisões políticas arriscadas e uma resposta lenta e sigilosa. Pripyat foi evacuada tarde demais e o sarcófago construído às pressas não apagou as marcas da radiação nem do descaso. Hoje, Chernobyl é um símbolo global dos riscos da negligência em projetos de alta complexidade.
Publicado por Maria Eduarda Peres em Ciência dia 11/05/2025

O dia 26 de abril de 1986 alterou de forma permanente a percepção global sobre energia nuclear. Localizada na Ucrânia, então parte da União Soviética, a usina de Chernobyl se tornou o epicentro do maior acidente nuclear da história. O que começou como um teste de segurança rotineiro acabou por desencadear uma sequência de falhas técnicas e humanas com impactos duradouros na saúde, no meio ambiente e na política internacional.

Pontos Principais:

  • O reator RBMK de Chernobyl apresentava riscos estruturais negligenciados.
  • Um teste de segurança mal conduzido causou a explosão do reator 4 em 1986.
  • A evacuação de Pripyat só começou 36 horas após o acidente.
  • Mais de 600 mil pessoas participaram da contenção e descontaminação.

A história de Chernobyl não é apenas sobre engenharia nuclear. É também sobre decisões administrativas em um contexto geopolítico específico, onde a corrida tecnológica entre potências e a urgência por resultados ofuscaram protocolos de segurança. O que era para ser uma demonstração de eficiência do programa atômico soviético acabou se tornando símbolo do que ocorre quando procedimentos são negligenciados.

O acidente revelou vulnerabilidades críticas no projeto dos reatores RBMK, nas estratégias de contenção e na resposta emergencial. A ausência de comunicação transparente com a população local e com o restante do mundo agravou as consequências do desastre, que permanece sendo estudado até hoje.

Construção e funcionamento da usina

A usina de Chernobyl começou a ser construída em 1970 como parte do programa nuclear da União Soviética. Localizada nas margens do rio Pripyat, o local foi escolhido por sua abundância de água e proximidade com rotas ferroviárias e rodoviárias.

Chernobyl usava reatores do tipo RBMK, escolhidos por serem econômicos, fáceis de construir e capazes de produzir energia e plutônio simultaneamente. O reator usava urânio como combustível, água para resfriamento e grafite como moderador. Essa combinação tornava o sistema operacionalmente eficiente, mas introduzia riscos específicos, como o coeficiente de vazio positivo.

A cidade de Pripyat foi construída próxima à usina, com infraestrutura planejada para abrigar cerca de 50 mil pessoas. Os moradores eram, em sua maioria, jovens recém-formados que trabalhavam diretamente na usina ou prestavam serviços à cidade.

Funcionamento do reator RBMK

O princípio de operação de um reator RBMK envolve o decaimento do urânio, gerando calor que transforma água em vapor. O vapor aciona turbinas que geram eletricidade. Esse processo precisa ser moderado e controlado constantemente.

O grafite era usado para desacelerar os nêutrons, facilitando a reação em cadeia. Ao mesmo tempo, hastes de controle eram utilizadas para absorver nêutrons e estabilizar o processo. Quando bem calibrado, o sistema opera de maneira eficiente. Contudo, o uso de grafite e o design do RBMK criavam uma situação em que a perda de água não interrompia a reação, mas a intensificava.

Esse tipo de reator tinha um risco específico: em caso de perda de resfriamento, a reatividade aumentava, o que poderia causar superaquecimento e explosão.

O teste de segurança e a sequência de falhas

Chernobyl virou uma zona fantasma. O reator está selado, mas as lições continuam vivas: ignorar riscos pode deixar marcas para sempre - reprodução / canva
Chernobyl virou uma zona fantasma. O reator está selado, mas as lições continuam vivas: ignorar riscos pode deixar marcas para sempre – reprodução / canva

Na madrugada do dia 26 de abril, a equipe do turno noturno foi encarregada de realizar um teste de segurança que deveria simular uma queda de energia para avaliar se a turbina poderia gerar eletricidade suficiente até os geradores a diesel entrarem em funcionamento.

O reator deveria estar operando a 700 MW, mas devido ao acúmulo de xenônio-135, a potência caiu para níveis muito baixos. Para reverter a situação, a equipe removeu quase todas as hastes de controle, deixando o reator instável.

À 1h23min, o botão de emergência foi acionado para reinserir as hastes, mas o design fazia com que a ponta das hastes, feita de grafite, aumentasse temporariamente a reatividade. Isso provocou uma elevação abrupta de potência, levando à explosão do reator.

As explosões e os primeiros socorros

A primeira explosão lançou a tampa de mil toneladas do reator para cima. A segunda espalhou detritos radioativos pelo teto e arredores da usina. O núcleo ficou exposto ao ar, o que causou o incêndio do grafite e a formação de hidrogênio, agravando ainda mais a situação.

Os bombeiros chegaram poucos minutos após a explosão, sem saber que enfrentariam um acidente nuclear. Muitos chutaram pedaços de grafite radioativo sem equipamentos de proteção. Os primeiros sintomas apareceram em minutos: vômitos, náuseas e queimaduras.

Cerca de 186 bombeiros foram mobilizados. Alguns foram levados para Moscou, mas muitos não resistiram. As roupas que usaram continuam contaminadas até hoje, armazenadas no subsolo de hospitais.

Evacuação e impacto populacional

Robôs derreteram com a radiação. Milhares de trabalhadores humanos, apelidados de “biorrobôs”, limparam os destroços por apenas 60 segundos cada - reprodução / canva
Robôs derreteram com a radiação. Milhares de trabalhadores humanos, apelidados de “biorrobôs”, limparam os destroços por apenas 60 segundos cada – reprodução / canva

Mesmo cientes da gravidade, as autoridades soviéticas não evacuaram Pripyat imediatamente. A evacuação só começou 36 horas depois, em 27 de abril à tarde. A população foi instruída a levar apenas itens essenciais. Mais de 40 mil pessoas deixaram a cidade, acreditando que retornariam em poucos dias, o que nunca aconteceu.

Partículas radioativas continuaram sendo liberadas. A radiação real era de cerca de 30 mil roentgens por hora, mas o medidor disponível só registrava até 3,6. A população não foi informada dos verdadeiros riscos.

Contenção e voluntários

A primeira medida de contenção foi lançar areia e boro no núcleo por helicópteros. A operação durou cinco dias e envolveu cerca de 5 mil toneladas de material, mas a maior parte não atingiu o alvo. O risco de uma nova explosão surgiu quando se percebeu que havia um reservatório de água sob o núcleo derretido.

Três trabalhadores se voluntariaram para abrir manualmente as válvulas e drenar o reservatório. Eles sobreviveram, contrariando as expectativas iniciais.

Limpeza, sarcófago e zona de exclusão

O reator foi selado por uma estrutura de concreto construída ao longo dos meses seguintes. Mas antes, era necessário remover toneladas de detritos radioativos do telhado. Robôs foram testados, mas falharam devido à radiação intensa. A tarefa acabou sendo feita por cerca de 5 mil trabalhadores humanos, os chamados “biorrobôs”.

Cada pessoa podia permanecer no telhado por no máximo 60 segundos. A limpeza permitiu a construção do sarcófago, que isolaria o reator do ambiente externo.

Enquanto isso, helicópteros lançavam produtos químicos para fixar partículas no solo. Prédios inteiros foram lavados, enterrados ou selados. Mais de 600 mil pessoas participaram das operações de descontaminação.

Consequências e estimativas

Oficialmente, 31 mortes foram reconhecidas em decorrência direta do acidente. Estimativas independentes variam entre 4 mil e 93 mil vítimas ao longo do tempo. A cidade de Pripyat permanece abandonada desde 1986, com estruturas preservadas exatamente como foram deixadas.

Na Bielorrússia, mais de 20% da população vive em áreas contaminadas. O país perdeu centenas de vilarejos. A zona de exclusão abrange 2.600 km² e continua interditada até hoje.

Lições técnicas e geopolíticas

Chernobyl não foi apenas uma falha de engenharia. Foi também uma falha de comunicação, de gestão de risco e de política de sigilo. A confiança pública na energia nuclear foi abalada. Protocolos de segurança foram revistos globalmente após o acidente.

O design dos reatores RBMK foi modificado em unidades ainda em operação. Medidas de redundância e controle foram implementadas em diversos países, influenciando a regulação internacional.

Reflexão e impacto duradouro

A história de Chernobyl é um marco no debate sobre energia nuclear. Ela demonstra a complexidade e os riscos associados à tecnologia, exigindo responsabilidade total em sua operação. O legado de Chernobyl permanece como um alerta permanente sobre as consequências de falhas sistêmicas.

Mesmo décadas depois, o local segue sendo monitorado. A estrutura original do sarcófago foi substituída em 2016 por uma nova cobertura. O futuro da região ainda é incerto, mas a memória do acidente segue viva.

Fonte: Wikipedia e Nationalgeographicbrasil.