Três décadas depois da chegada do homem à Lua, a exploração espacial seguia por uma rota diferente. A nova proposta envolvia reutilização, frequência de voos e a integração entre ciência, logística e mercado. O programa dos ônibus espaciais era a resposta para essas expectativas. Em 1986, os Estados Unidos já haviam enviado várias missões ao espaço utilizando esse novo modelo de nave. Era uma iniciativa ambiciosa, baseada na ideia de que o espaço poderia se tornar mais acessível e previsível.
Pontos Principais:
O ônibus espacial Challenger preparava-se para sua décima missão, com uma tripulação de sete pessoas a bordo. O lançamento, no entanto, estava cercado por variáveis não resolvidas, entre elas, as condições climáticas adversas e questionamentos técnicos internos que não foram suficientemente considerados. O voo decolou, como planejado, mas não seguiu seu curso.
Após 73 segundos de voo, a nave se desintegrou diante de milhares de espectadores ao vivo. O episódio não apenas encerrou a missão, como comprometeu a reputação técnica e institucional da agência responsável. A explosão da Challenger tornou-se um dos marcos na história aeroespacial contemporânea e desencadeou uma reavaliação profunda de decisões, estruturas e responsabilidades.
O ônibus espacial norte-americano era composto por quatro elementos principais: a nave orbital, o tanque externo e dois foguetes de combustível sólido. A nave orbital, ou orbiter, tinha capacidade de decolagem vertical e aterrissagem em pistas como uma aeronave convencional. Em conjunto com os demais componentes, formava o conjunto necessário para colocar pessoas e cargas em órbita terrestre baixa.
O tanque externo armazenava hidrogênio e oxigênio líquidos, utilizados pelos três motores principais localizados na parte traseira do orbiter. Já os dois foguetes laterais, chamados SRBs (Solid Rocket Boosters), eram responsáveis pelo impulso inicial do lançamento. Após cerca de dois minutos, os SRBs eram descartados e caíam no oceano para reaproveitamento.
Essa combinação tornava o sistema parcialmente reutilizável. O objetivo era baratear os custos e aumentar a frequência de voos, com metas ambiciosas como 48 lançamentos por ano. O modelo também previa venda de espaço de carga para terceiros como forma de financiar o programa.

A missão programada para o final de janeiro de 1986 sofreu sucessivos adiamentos devido a problemas logísticos e meteorológicos. A data final escolhida, 28 de janeiro, apresentava temperaturas próximas de zero grau Celsius, um fator incomum para o local de lançamento. O lançamento foi confirmado apesar dos alertas internos.
Os sete tripulantes incluíam especialistas da NASA, engenheiros e uma professora civil, participante do programa Teacher in Space. A decolagem ocorreu às 11h38, horário local. Durante o primeiro minuto de voo, a nave atingiu cerca de 3 mil metros e enfrentou ventos intensos. Aos 58 segundos, câmeras detectaram uma pluma de fumaça no SRB direito. Quinze segundos depois, a estrutura cedeu.
A ruptura causou a separação dos componentes principais e a subsequente desintegração da nave. Nenhum dos tripulantes sobreviveu. O acidente foi registrado ao vivo por emissoras de televisão e acompanhado por autoridades, familiares e estudantes de escolas públicas.
A administração federal nomeou uma comissão independente para apurar os fatores que levaram ao acidente. Liderada por William Rogers, ex-secretário de Estado, e com a participação de Neil Armstrong, o grupo recebeu acesso a documentos internos e convocou engenheiros, diretores e técnicos para prestar depoimento.
Nos primeiros dias, o foco estava na compreensão da estrutura técnica da nave. A atenção logo se voltou para os SRBs e, especificamente, para os anéis de vedação das juntas de campo. Esses anéis tinham a função de impedir o vazamento de gases em alta pressão durante o acoplamento dos segmentos dos boosters.
A investigação revelou que esse sistema apresentava falhas desde os primeiros testes e já havia registrado episódios de erosão em missões anteriores. A responsabilidade da produção dos SRBs era da empresa Morton Thiokol, contratada pela NASA. Documentos internos indicavam preocupação recorrente com o desempenho dos anéis em baixas temperaturas.
Allan McDonald, engenheiro-chefe da Morton Thiokol, foi uma das figuras centrais da comissão. Ele havia se recusado a aprovar o lançamento na noite anterior ao acidente. Durante os depoimentos, quando percebeu que as informações estavam sendo omitidas ou distorcidas, interrompeu a audiência para apresentar sua versão dos fatos.
McDonald expôs que a equipe de engenharia da empresa havia alertado formalmente que os anéis de vedação não possuíam histórico de funcionamento confiável em temperaturas tão baixas quanto as registradas na manhã do lançamento. Ainda assim, a liderança da Morton Thiokol e da NASA aprovou a decolagem após uma reavaliação feita sem a presença dos engenheiros técnicos.
O físico Richard Feynman, membro da comissão, conduziu experimentos simples que comprovaram a perda de elasticidade do material dos anéis em contato com temperaturas baixas. Seu apêndice no relatório oficial tornou-se referência ao destacar a diferença entre o discurso público de segurança da NASA e os critérios técnicos efetivamente utilizados.
O cronograma da missão incluía eventos de divulgação pública, transmissões ao vivo e atividades educacionais. A janela de tempo para a realização da aula em órbita, pela professora Christa McAuliffe, estava no limite. Essa pressão externa foi combinada com a interna, relacionada à agenda orçamentária e metas de frequência de voos.
Durante a última reunião de segurança, os engenheiros solicitaram o adiamento. A resposta dos gestores foi alterar o critério de aprovação: ao invés de exigir comprovação de segurança, passou-se a exigir comprovação de risco. A ausência de dados conclusivos foi usada como argumento para prosseguir com o voo.
O lançamento foi autorizado com um documento assinado por um dos diretores da Morton Thiokol, substituindo a negativa formal de McDonald. A decisão contrariou alertas documentados e sinalizações técnicas sobre os riscos associados aos anéis em temperaturas abaixo de 4 °C.

Desde os primeiros voos com ônibus espaciais, os anéis de vedação apresentavam desgaste por erosão. Inicialmente classificados como sistema crítico com redundância, os anéis foram reclassificados para sistema crítico sem redundância após repetidas falhas do anel primário.
Em 1984, foi identificado pela primeira vez o comprometimento simultâneo dos dois anéis. Em outro voo, evidências de fuligem entre os anéis indicaram que um deles havia se deslocado, abrindo caminho para o vazamento de gases antes de ser selado pelo anel secundário. A falha total, até então teórica, tornou-se mais plausível.
Esse padrão levou a um processo gradual de normalização do risco. A cada novo indício, a análise era reavaliada e a margem de tolerância expandida. A repetição de falhas sem consequências imediatas reforçava a percepção de que o sistema funcionava, mesmo com desvios do projeto original.
O acidente teve repercussão internacional e levou à suspensão imediata dos lançamentos com ônibus espaciais. A comissão apresentou um relatório com mais de 250 recomendações. A principal conclusão foi a necessidade de separar as esferas administrativa e técnica na tomada de decisões.
Os orbitadores foram submetidos a reestruturações. Novas normas de segurança foram adotadas e os procedimentos de aprovação modificados. O programa foi retomado em 1988, mas sem a mesma confiança pública e sem as ambições comerciais que haviam motivado sua concepção.
O legado da Challenger permanece como exemplo de como falhas técnicas podem ser agravadas por dinâmicas institucionais. A narrativa do acidente também provocou mudanças na cultura organizacional da NASA, com ênfase na transparência e na valorização das avaliações técnicas.