O mercado de videogames vive um período de instabilidade internacional, mas que pode representar uma janela de crescimento para o Brasil. Em meio a uma crise geopolítica que envolve tensões comerciais entre potências, desaceleração econômica e desafios logísticos globais, o país aparece como um ambiente relativamente estável e receptivo ao setor de jogos eletrônicos. Essa leitura tem ganhado destaque durante a edição de 2025 da Gamescom Latam, realizada no Distrito Anhembi, em São Paulo.
Pontos Principais:

Organizado em parceria com a associação alemã Game e a brasileira Abragames, o evento consolida o Brasil como polo estratégico na América Latina para negócios e desenvolvimento na indústria de games. Reunindo estúdios independentes, grandes publishers, influenciadores e investidores, a feira assume o papel de plataforma para articulações comerciais e apresentações de novos títulos. Com a expansão da feira a partir da fusão com o Big Festival, o ambiente de negócios passou a ocupar um espaço ainda mais amplo na estrutura do evento.
A segunda edição da Gamescom Latam ocorre entre os dias 1º e 4 de maio e, além de atrações voltadas ao público, promove encontros corporativos e atividades exclusivas para profissionais do setor. A programação prevê lançamentos, palestras, sessões de networking e a presença de grandes marcas da indústria mundial, ampliando o alcance comercial e cultural do evento.
A indústria global de games movimentou US$ 227,6 bilhões em 2023 e a expectativa é que atinja US$ 300 bilhões em 2027. Esses números reforçam a relevância do setor dentro do mercado de entretenimento, que no total movimentou US$ 2,8 trilhões no mesmo período. Para efeito de comparação, o setor de streaming gerou US$ 145 bilhões, enquanto o cinema arrecadou US$ 7,5 bilhões em bilheteria global.
No cenário atual, fatores como a instabilidade na Europa, a desaceleração na China e a retração do modelo tradicional dos chamados jogos “triple A” criam um espaço de manobra para países com mercados emergentes. O Brasil, segundo Gustavo Steinberg, CEO da Gamescom Latam, encontra-se em uma posição favorável por manter relações estáveis com diferentes blocos econômicos, além de preservar traços culturais locais em seus produtos.
A combinação entre o crescimento do consumo de jogos, a força da cena independente brasileira e a busca por novos modelos de produção torna o país um ambiente estratégico para desenvolvedores e investidores. A orientação do mercado, de acordo com Steinberg, é priorizar jogos mais acessíveis e com produção otimizada, sobretudo para PC, onde a barreira de entrada é menor em comparação aos consoles.
A edição de 2025 da Gamescom Latam ocupa uma área de 60 mil metros quadrados, o dobro em relação ao evento anterior. Com expectativa de público de 150 mil pessoas ao longo dos quatro dias, o evento concentra mais de mil empresas do setor e disponibiliza cerca de 400 jogos para demonstração.
O evento conta com a presença de mais de 40 publishers, incluindo Nintendo, Epic Games, Steam, Ubisoft, Sega, Bandai Namco, Warner Bros. Games, Bethesda, Supercell, Atari, entre outros. Além disso, o evento também abriga estúdios brasileiros independentes que buscam visibilidade internacional e oportunidades de negócio.
A estrutura inclui áreas para lançamentos, arenas de e-sports, painéis com criadores de conteúdo e uma seção dedicada a jogos retrô. A programação inclui 160 horas de conteúdo, entre palestras, mesas redondas, workshops e apresentações, consolidando o evento como uma plataforma de formação e articulação no setor.
Durante os dois primeiros dias, o acesso ao pavilhão é restrito a profissionais da indústria. O objetivo é promover rodadas de negócios, reuniões estratégicas e conexões entre produtores, investidores e distribuidoras. Essa frente comercial busca facilitar a internacionalização dos jogos brasileiros e fomentar o investimento estrangeiro em propriedades intelectuais locais.
Segundo a organização, a edição anterior reuniu 1.500 participantes na área de negócios. A expectativa é superar esse número em 2025, com maior presença de investidores internacionais. O evento também oferece palestras voltadas à criação de estúdios independentes, internacionalização de jogos e formação profissional.
A presença de grandes marcas se deve ao crescimento sustentado do mercado local. Para Steinberg, as empresas já reconhecem o potencial comercial da América Latina e veem o Brasil como um ponto de entrada estratégico. A Gamescom Latam, portanto, atua como vitrine para negociações que podem resultar em parcerias, aquisições ou lançamentos regionais.
O evento conta com a prévia de mais de 120 jogos, com destaque para títulos aguardados como Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba – The Hinokami Chronicles 2, Hunter x Hunter Nen x Impact e Double Dragon Revive, da Arc System Works. Além dos jogos, a feira também oferece uma área de arcade com fliperamas, simuladores e máquinas retrô.
Outras atrações incluem:
A interação entre criadores e público é gratuita e não exige agendamento. O objetivo é proporcionar um ambiente acessível e dinâmico, estimulando o engajamento entre as diferentes frentes da comunidade gamer.
O fortalecimento dos estúdios independentes é uma das estratégias para consolidar o Brasil como polo de produção de jogos. De acordo com Steinberg, o cenário atual é mais receptivo a projetos de menor orçamento e com propostas inovadoras, capazes de competir em mercados maiores com custos reduzidos.
Essa abordagem reflete um movimento global de diversificação nos formatos e gêneros de jogos, rompendo com o modelo centralizado nas grandes franquias. O evento, nesse sentido, atua como uma ponte entre esses criadores e os mecanismos de financiamento e distribuição.
O apoio governamental ainda é limitado. Embora os games tenham sido reconhecidos recentemente como parte do setor audiovisual, o acesso aos mesmos incentivos concedidos ao cinema e à televisão ainda está em construção. A inclusão em leis como a Rouanet e o artigo 3º da Lei do Audiovisual segue sendo debatida.
Além da dimensão econômica, os jogos eletrônicos também se inserem em estratégias de soft power. Países como Estados Unidos e Japão utilizam suas produções culturais como instrumentos de influência e difusão de valores no exterior. No caso do Brasil, essa é uma fronteira ainda em desenvolvimento.
Com propriedades intelectuais próprias e narrativas baseadas em referências locais, o país pode ampliar sua projeção internacional por meio dos jogos. O desafio está em consolidar políticas públicas que incentivem esse tipo de produção e criem um ambiente sustentável para os criadores.
A longo prazo, o fortalecimento da indústria nacional pode não apenas gerar emprego e renda, mas também consolidar o Brasil como protagonista na diplomacia cultural digital. Para isso, o reconhecimento institucional e o financiamento são etapas fundamentais.