Durante a década de 1930, a física nuclear evoluía a passos largos enquanto a Europa se aproximava de uma guerra total. Nessa encruzilhada entre ciência e geopolítica, conceitos teóricos ganharam corpo prático com implicações nunca antes experimentadas pela humanidade. O desenvolvimento da bomba atômica não foi um evento isolado, mas o resultado de anos de pesquisa científica, decisões políticas estratégicas e movimentações internacionais motivadas pelo medo do avanço nazista.
Pontos Principais:
Ao contrário da crença comum, a criação da bomba não foi motivada inicialmente por objetivos militares. A descoberta do nêutron por James Chadwick, em 1932, abriu caminho para uma nova forma de observar o núcleo atômico. Isso permitiu que experimentos com a fissão nuclear passassem a ser conduzidos sem as limitações impostas pelas forças eletromagnéticas. O potencial energético armazenado no núcleo dos átomos revelava-se superior ao de qualquer reação química já conhecida.
Ao longo dos anos, cientistas como Leo Szilard, Enrico Fermi, Otto Frisch, Lise Meitner, Niels Bohr e Robert Oppenheimer traçaram, direta ou indiretamente, o caminho que levaria à criação da bomba. A sucessão de descobertas se acelerou à medida que as ameaças políticas aumentavam, culminando na criação do Projeto Manhattan e no surgimento de um novo capítulo da história moderna.
O conceito de reação em cadeia foi inicialmente concebido por Leo Szilard em 1933. Enquanto atravessava uma faixa de pedestres, Szilard imaginou que, se um átomo ao ser atingido por um nêutron liberasse dois nêutrons adicionais, seria possível gerar uma reação contínua. Essa ideia ficaria conhecida como reação em cadeia nuclear.
Em 1934, Enrico Fermi conduziu experimentos que sugeriram a possibilidade de quebrar átomos pesados ao bombardeá-los com nêutrons. Durante os testes com urânio, ele observou resultados inconsistentes, que só mais tarde foram explicados pela presença de hidrogênio em superfícies de madeira, capaz de reduzir a velocidade dos nêutrons e aumentar sua capacidade de induzir reações.
Com o modelo de gota nuclear de Niels Bohr publicado em 1936, o entendimento teórico do núcleo avançou, e a possibilidade da fissão se tornou mais concreta. No entanto, Bohr inicialmente rejeitou a ideia de que a fissão do urânio fosse viável. Isso mudaria com os resultados de Meitner e Frisch em 1938, que provaram que o urânio podia se dividir em elementos mais leves e liberar energia.

O avanço do nazismo forçou dezenas de cientistas judeus a deixarem a Europa. Entre eles estavam nomes como Szilard, Teller, Einstein e Wigner. A comunidade científica se mobilizou para garantir a segurança desses pesquisadores, que acabariam reforçando os quadros acadêmicos e de pesquisa nos Estados Unidos e na Inglaterra.
Szilard, prevendo o uso bélico da fissão, tentou alertar governos e instituições científicas. Suas ideias foram inicialmente ignoradas. Mesmo com o avanço do conhecimento sobre reações nucleares, os financiamentos eram escassos. A situação se agravou com as notícias de que a Alemanha havia começado a comprar grandes quantidades de urânio da Bélgica.
Em julho de 1939, Szilard e Wigner convenceram Albert Einstein a assinar uma carta destinada ao presidente Franklin D. Roosevelt, alertando sobre a ameaça de uma bomba nuclear nazista. O documento foi entregue por Alexander Sachs e, após alguma demora, convenceu o governo dos Estados Unidos a criar um comitê de estudos sobre energia nuclear.
O Comitê do Urânio foi criado para coordenar os primeiros esforços dos EUA em energia nuclear. Entretanto, o líder nomeado, Lyman Briggs, não priorizou a liberação de recursos. Szilard e Fermi solicitaram 100 mil dólares para desenvolver um reator nuclear, mas foram recusados.
A entrada dos Estados Unidos na guerra, após o ataque japonês a Pearl Harbor, mudou drasticamente o cenário. Em 1942, o projeto recebeu o nome de Projeto Manhattan, sob liderança militar do general Leslie Groves. O objetivo era claro: construir uma bomba nuclear antes da Alemanha.
Groves rapidamente adquiriu terrenos e consolidou o projeto com prioridade de abastecimento militar. Escolheu Robert Oppenheimer como líder científico e designou Oak Ridge como base para enriquecimento de urânio, enquanto Los Alamos, no Novo México, se tornaria o centro de desenvolvimento da bomba.
Enrico Fermi e Leo Szilard conduziram o experimento conhecido como Chicago Pile-1, o primeiro reator nuclear a atingir criticalidade, ou seja, uma reação em cadeia autoalimentada e controlada. A estrutura, construída com blocos de grafite e pinos de urânio, foi montada sob as arquibancadas de um ginásio da Universidade de Chicago.
Em 2 de dezembro de 1942, após removerem as barras de cádmio que absorviam nêutrons, a pilha atingiu criticalidade. Fermi manteve a reação por mais de quatro minutos antes de encerrar o experimento com sucesso. Embora o momento fosse um marco, Szilard considerou aquele um dia sombrio para a humanidade.
Esse resultado provou que seria possível produzir energia — e armas — a partir da fissão nuclear. Isso consolidou a urgência de estabelecer uma estrutura técnica, teórica e industrial capaz de construir armamentos baseados nessa reação.
O projeto Manhattan desenvolveu duas bombas simultaneamente: uma com urânio-235 e outra com plutônio-239. A bomba de urânio usava o chamado “design de arma”, com duas massas de material físsil unidas por um disparo que iniciava a reação em cadeia. Esse modelo era simples o suficiente para não precisar ser testado antes de ser usado.
Já a bomba de plutônio exigia um design mais sofisticado, baseado na implosão de uma esfera de plutônio comprimida por explosivos convencionais dispostos ao redor do núcleo. Esse processo exigia precisão extrema para garantir uma explosão simétrica e eficaz.
A complexidade do modelo de implosão mobilizou uma parte significativa do pessoal de Los Alamos. Calculadoras eletromecânicas foram empregadas para resolver as equações envolvidas e, após mais de mil testes com lentes explosivas, o design foi finalizado com sucesso.

Los Alamos tornou-se uma cidade funcional. Famílias inteiras se mudaram para o local, que foi projetado com moradias, escolas e centros sociais. Cientistas, operários, militares e engenheiros conviviam em um ambiente de segurança máxima.
Embora festas e momentos de lazer fizessem parte da rotina, havia grande tensão moral entre os pesquisadores. Alguns, como Szilard, tentaram pressionar o governo para garantir que os cientistas tivessem voz na decisão sobre o uso das bombas, mas o exército se opôs fortemente à ideia.
O físico dinamarquês Niels Bohr propôs uma alternativa diplomática: contar aos soviéticos sobre a bomba após sua conclusão e usar esse momento para estabelecer acordos internacionais de transparência. A proposta não foi aceita, principalmente devido à resistência do governo britânico.
O primeiro teste com uma bomba de plutônio foi marcado para 16 de julho de 1945, na região de Jornada del Muerto, Novo México. A explosão, conhecida como teste Trinity, foi precedida por testes menores e marcada por clima instável nos dias anteriores.
A bomba, posicionada a 30 metros de altura, foi detonada às 5h29min da manhã. A explosão liberou o equivalente a 25 mil toneladas de TNT. Testemunhas relataram a luz intensa, a onda de choque e a nuvem em forma de cogumelo, eventos sem precedentes na experiência humana.
A frase associada a Oppenheimer após a explosão, retirada de um texto hindu, sintetiza a percepção do momento: “Agora eu me tornei a Morte, a destruidora de mundos”. A história havia virado uma nova página.
A criação da bomba nuclear foi resultado de decisões humanas que se fundamentaram em descobertas científicas. O conhecimento que levou à bomba é o mesmo que pode gerar energia limpa em reatores civis, mas seu uso depende exclusivamente das escolhas humanas.
Durante a Segunda Guerra Mundial, cidades inteiras foram destruídas por bombardeios convencionais. A bomba atômica possibilitou a mesma destruição com apenas um artefato. Isso inaugurou uma nova lógica global: a da dissuasão nuclear, onde a paz é mantida não por confiança, mas pelo medo de retaliação.
A física nuclear continua sendo uma ferramenta poderosa, capaz de ajudar a humanidade a enfrentar desafios energéticos e climáticos. No entanto, o risco de seu uso bélico permanece uma constante, lembrando que ciência sem responsabilidade não garante progresso.